13 dezembro 2005

FELIZ NATAL!!

Por Ira Brito

Há um clima diferente
Quando chega o Natal
Nuvens leves anunciam
Que é momento especial
Quem nasce traz alegria
E esperança sem igual...


A esperança é criança
Filha legítima do amor
Vem preencher o vazio
Mandar embora a dor
Da humanidade ferida
Que vive a peste, o terror...


Mas a esperança não cai
De pára-quedas na terra
Ela vem em carne e osso
Combater o que é guerra
Traz a mensagem de paz
E a miséria desterra...


Há também algo triste
Meio sem explicação
As melodias surradas
Ainda provocam emoção
Os pisca-piscas aceleram
O pulsar do coração...


Tudo em volta é correria
O tempo é tão fugaz!
A vida treme na esquina
Todos querem beber paz
Os anúncios contagiam
Com seu apelo sagaz...


As vitrines vendem sonhos
Os letreiros nos seduzem
O colorido arde os olhos
Comerciais nos induzem
O ruge-ruge nos shoppings
Ao frenesi nos conduzem...

É também tempo de adeus
Chega a hora de partir
A saudade dói no peito
Sem ter pena de ferir
Ela deságua lá dentro
No propósito do devir...


Carinhoso abraço, a você!

01 dezembro 2005

VIDA

Por Ira Brito

A vida que pulsa em nós
Ama, chora, rir e canta
O sopro dentro de nós
Arrepia, fere e espanta
O mistério é véu escuro
Mas é ele que encanta...


O que seria da vida
Se tudo fosse o que é
Se só houvesse o reto
Mar calmo sem maré
Se o sol nascesse cinza
Não restasse crença ou fé...

A vida precisa de encanto
Vencer a dor de morrer
Há sim como resistir
As artimanhas do poder
Ou a poesia nos salva
Ou vamos todos perecer...

22 novembro 2005

DESPEDIDA...

Por Ira Brito

Um aceno triste
É hora da despedida
O peito padece
Aquela dor ressentida
Uma lágrima quente
Escorre na cara sofrida...

Os olhos molhados
Querem se esconder
Os dentes se apertam
Em ponto de ranger
A língua se enrola
A garganta quer doer...

A gente sabe que vai
Mas voltar não é certeza
O mistério desta vida
Pode até causar tristeza
A vida é feita de adeus
Não pára, é correnteza...

06 novembro 2005

SÍNDROME

Por Ira Brito

Deve ser triste ser triste
Nascer para ser estranho
Andar sem rumo na vida
Ovelha fora do rebanho
Ser sozinho no mundo
Num desencanto medonho...

Sabe lá o que é ter sede
Sentida em frente ao mar
Ficar pertinho de alguém
E não ter chance de amar
Falar e não ser ouvido
E o prazer ter que comprar...

A angústia ressentida
Alimentada com dor
Um sentimento abafado
Na ausência do Amor
Tudo de ponta-cabeça
Vida, nojo, fobia, horror...

...

26 outubro 2005

MEDO

Ira Brito

A rua deveria ser o espaço da liberdade. Mas nem sempre é. Se observarmos como as pessoas andam na rua, vemos que todos caminham como se fugissem de algo ou de alguém. Há corre-corre. Multidão que se toca e não se sente. Todos se olham e não se vêm. Estranhos.
Não, ninguém quer dizer que andemos por ai cumprimentado todo mundo. Bom seria se assim fosse. No interior ainda é possível fazer isso. Na cidade grande
o medo nos aterroriza. Temos medo de assalto, de seqüestros, da violência. Tudo pode ser suspeita. Alguma coisa nos aprisiona. E a rua, que deveria ser o espaço público da liberdade, transforma-se em ambiente refém do medo. É triste ter de passar para o outro lado da rua, temendo que o semelhante seja uma ameaça. Às vezes, pode ser o vizinho que mora no mesmo prédio, mas ninguém trocou sequer uma palavra. Por isso a estranheza.
A rua precisa ser o espaço do encontro. Aquele encontro, ainda que passageiro, no entanto, cordial. Por exemplo, um bom-dia, um aperto de mão, um aceno. Essas pequenas coisas que podem nos tornar mais humanos. Sim, mais humanos. Por que os tempos pós-modernos querem nos transformar em pequenas super-poderosas-máquinas. Somos sentimentos. Se não atentarmos para isso podemos nos transformar em seres vazios. E não fomos criados para o vazio, mas para felicidade completa.

20 outubro 2005

COLCHA DE RETALHOS

Por Ira Brito

O questionamento é
Onde mora o amor?
A resposta não é fácil
Impõe busca e rigor
A vida em fragmentos
Tecida em meio à dor...

O esforço de cada um
Por sua "cara metade"
É um caminhar difícil
Tesouro de felicidade
Gera delícia e dor
Sufoco e dificuldade...

É a dinâmica do amor
Algo tão misterioso
Juntar cada retalho
Num esforço grandioso
Está pronto pra recomeçar
Em cada ato teimoso...

O desafio nessa busca
É ir além da metade
Mergulhar o corpo todo
Sem temer profundidade
Enfrentar os desafios
Nas asas da liberdade...

A história de cada um
É feita de fragmentos
Os retalhos são pedaços
Dos corações sedentos
As cores revelam algo
D’alma e dos sentimentos...


Se alguém é aqui da terra
O outro é lá do mar
Os extremos se abraçam
E se apaixonam no olhar
Os corpos se tocam suaves
No encantamento de amar...

É certo que no amor
Há também a traição
Mas não compete julgar
De ninguém a tal ação
A carência às vezes força
A agir sem a razão...

Mesmo estando juntos
Há o medo da partida
Brigas sem cabimentos
Numa angustia ressentida
Solidão acompanhada
Alma triste e ferida...


A vida é um espetáculo
Cada um é um ator
Pode ser também palhaço
E fingir que sente dor
Ou mesmo rir sem graça
Numa situação de horror...

No aprendizado da vida
É bom juntar os pedaços
Se o "sapato aperta o pé"
É só folgar os cadarços
Mas se "bater com a cara"
Tem que curtir os inchaços...

É por isso que a crise
É como um vendaval
Ela nos joga no chão
E nos faz sair do normal
Nos força provar do fel
E cair do pedestal...


Se houver "morangos quentes"
Graúdos e saborosos
Vermelhinhos bem saudáveis
Empinados e gostosos
Pode suscitar tentação
E minutos grandiosos...

Encontrar a alma gêmea
Exige transformação
Libertar-se das amarras
Do rancor do coração
Comunicar o afeto
E oferecer o perdão...

Reconstruir a vida
Com a antítese do corvo
Cobrir-se com a colcha
Gerando um mundo novo
Para sua própria história
E para ninguém ser estorvo...


Quando se encontra a meta
A colcha é finalizada
Dorme-se sono tranqüilo
Não existe hora errada
A experiência é rainha
O horizonte é estrada...

15 outubro 2005

GRADES

Por Ira Brito

BR Cento e Dezesseis
Presídio Industrial
Do outro lado da rua
Avista-se o Hospital
Adiante a Universidade
Abaixo ver-se o Sinal.


O sinal lembra limites
Do carro a velocidade
Vermelho, amarelo, verde
Convivência na cidade
Universidade é cultura
BR é liberdade.


O presídio está aí
Em meio a este cenário
Lá dentro há muita história
Além do que é ordinário
Pois é sobre isso que venho
Fazer o meu comentário.


Fui com o Raimundinho
Dois homens entrevistar
Ofícios e mais ofícios
Tivemos de apresentar
Com tudo dentro da lei
Pudemos ali entrar.


Ouvir barulho de grades
Sentir cheiro de prisão
Ouvir zunzum de vozes
Um calor de multidão
Homens às margens da BR
Presos num caldeirão.


Não entramos nas celas
Mas aquela energia!
Os corredores tensos
Gente em correria
Pelo ar não pareceu
Ser lugar de alegria.


Não fui com medo
Mas receei ser refém
Rezei ao Anjo da Guarda
Me rege, me ilumine, amém
Comentei isso pro Rá
Ele observou também.


Mas era só papo de "Foca"
Numa nova experiência
Marlon nos recebeu
Em clima de audiência
Nos guiou pra sua sala
Com educação e decência.

Aguardamos os dois homens
Fiz um rápido plano geral
Observei bem o escritório
Num olhar especial
Vi São Jorge na parede
Em madeira artesanal.

Primeiro veio o Moisés
Apertamos sua mão
Ele, 26 anos de idade
Sete anos de prisão
O crime que cometeu
Não era nossa questão.

Comentou de sua vida
Do sonho de liberdade
Para cuidar da família
Da reinserção na sociedade
Falou dos preconceitos
E de muita dificuldade.

Fez apelo aos "livres"
"Na cadeia tem é gente"
Lá não é lugar de bicho
Que errou, está ciente
Espera pagar a pena
E sair de lá contente.

Disse não ter revolta
Mas pareceu intimidado
Olhou para o diretor
Que estava ali do lado
Moisés queria dizer mais
"Aqui não sou maltratado."

Tinha muito mais a falar
Mas pra nós estava bom
Nos despedimos dele
Eu conferi o som
Se o gravador estava
No volume e no tom.

Moisés retorna à cela
É nos trazido o Armando
Um rapaz inteligente
Que vai logo se sentando
Tem um olhar bem fixo
Parece está estudando.

Diz "de cara" sem receio
Que a cadeia não recupera
Toda espécie de criminoso
Pela liberdade espera
No entanto "lá fora"
A discriminação é severa.

Armando se comunica
Com muita facilidade
Diz rápido ter um filho
De quem sente saudade
Se expressa com as mãos
Na língua tem habilidade.

Quem foi preso uma vez
A polícia jamais esquece
Para arrumar um emprego
A ficha criminal aparece
A empresa não contrata
E a auto-estima desce.

Armando sabe que deve
Mas diz ter sido enganado
Preso pela segunda vez
Por erros lá do passado
Espera sair das grades
E jamais ser condenado.


Sabe das dificuldades
Que deverá enfrentar
Mais confia nos amigos
Para seu recomeçar
Quer reconstruir a vida
E nova semente plantar.

Armando deixa um recado:
Cadeia não é só de bandidão
Nem só lugar de monstros
Mas tem homens de coração
Entra lá donos de bingos
E proprietário de mansão.

Terminamos a conversa
Me sinto meio perdido
Fica um vácuo na sala
Mas a pauta tem sentido
Armando é levado de volta
Das grades ouço o tinido.

Não vou aqui expressar
A sensação que ficou
Nem dar lição de moral
De amor ou de rancor
Deixo minhas impressões
Daquilo que me marcou...

MISCELÂNIA

Por Ira Brito

Lembro daquele dia
Que passei em Cabrobó
Uma mulher banguela
Seu sorriso dava dó
Ela pedia esmolas
Com cabelos em cocó...

Passei ali de ônibus
Com destino ao Ceará
Viajando três dias
Um percurso de cansar
A origem foi São Paulo
E a meta meu lugar...

*******
Uma chamada telefônica
Me deixa aqui preocupado
Um sobrinho q amo muito
Está doente e internado
Ai meu Deus vela por ele
Que nada seja complicado...

**********

Dom Luiz Cappio em jejum
Naquela cidade esquecida
Atrai todas atenções
A favor da gente sofrida
Em nome do São Francisco
E da população oprimida...


******

Há tanto o que fazer
Não há tempo pra "coçar"
Enquantos uns têm fome
Outros estão a esbanjar
Se uns arrotam arrogância
Outros nem podem falar...

Pois deixa eu ficar assim
No meu cantim a pensar
Em quem anda meio triste
E sem rumo pra andar
Que perdeu a esperança
E não tem a quem amar...

Cada macaco no seu galho
O "sapato" é que me aperta
Uma dorzinha nojenta
Me canta música secreta
A certeza que eu tenho
Não é uma certeza certa...

10 outubro 2005

ALÉM DO CLIMA

Por Ira Brito


Não é fácil compreender as falcatruas do poder. Os que comandam a máquina pública se acham no direito de fazer o que bem entendem com o dinheiro do povo. Desviam grana para suas contas no exterior e gastam absurdos em campanhas eleitorais. Mas não movem uma palha para tirar da miséria tantos sertanejos sofredores, castigados pela seca e pela a omissão de políticos que prometem o paraíso e depois oferecem o inferno.
A indústria da seca é um dos maiores fardos impostos ao povo sofrido do sertão nordestino. Ainda hoje se atribui a miséria do sertanejo às condições climáticas. Muito além do clima está a crueldade da politicagem nojenta que em pleno século do desenvolvimento tecnológico condena populações à condições de vida semelhantes ao tempo medieval.
Felizmente o povo não é mais tão bobo. Embora alguns ainda temam os chicotes dos coronéis modernos, outros, aos poucos, libertam-se da ignorância e clamam por justiça. Quem sabe o cenário desolador pelo qual a sociedade brasileira passa no momento seja lição de conscientização. E dessa forma os cidadãos aprendam a abominar os políticos carniceiros, corruptos e interesseiros que estraçalham o patrimônio do Estado em nome de seus prazeres e ganâncias.

04 outubro 2005

CONTRASTES


Por Ira Brito


Novo dia. Na rua pessoas indo e vindo. A cidade não pára. Não dorme, não descansa, não cala. Homens e mulheres seguem seu caminho, sem saber ao certo aonde chegarão. Uns, têm passos firmes e olhar esperançoso. Outros, tateiam e olham baixo. Há medo, há pressa, há caos. A cidade bem que poderia ser mais humana. Bem que poderia ser mais igualitária. De um lado riqueza acumulada. De outro a miséria imperando: barracos, gente e rato. Lixo, esgoto, barata. Cachorro pitt bull, cão vira-lata. Prédios luxuosos, arranha-céus com suas fachadas asseadas, avenidas impecáveis. Vitrines prontas para hipnotizar, encantar, incitar o desejo. Por que tem que ser assim? Lá na outra zona, muita lama. Ninguém planejou as ruas, não houve projeto, tudo foi se formando conforme a necessidade de quem ali foi chegando. Esgoto a céu aberto, amontoado de seres humanos, teimando em viver, lutam dia e noite. Esse povo ri, chora, canta, dança. Tem fé, ainda sonha. Essa gente espera que um dia sua rua tenha nome oficializado, seja asfaltada, tenha esgoto canalizado. A cidade do lado de lá, e a do lado de cá, são dois extremos que não se tocam. São partes bem distintas. Nossa cidade tem muro, cortina, véu da vergonha. Invisíveis, mas bem reais, não precisa muito esforço para perceber. Há vida lá e cá. Há problemas em ambos os lados. Mas há privilégio lá. Há grito de dor do lado de cá. Há crianças querendo infância, espaço para brincar, sorrir, ser gente.

30 setembro 2005

AINDA QUE...



Ainda que
Ira Brito

Ainda que o mundo semeie a cultura da morte, espalhe a violência, provoque a dor, banalize a vida.
Ainda que o mundo cultive o ódio, a guerra, os conflitos.
Ainda que o mundo incite à vingança, plante a discórdia, incentive o rancor.
Ainda que o mundo seja pedante, orgulhoso, interesseiro, covarde.
Ainda que o mundo não queira o diálogo, não escute.
Ainda que o mundo só pense em seus interesses, não tenha sentimentos, não tenha coração.
Ainda que o mundo seja falso, superficial, ingrato.
Ainda que o mundo só planeje o mal, só tencione para a desgraça.
Ainda que o mundo idolatre o lucro, adore o dinheiro.
Ainda que o mundo não sacie sua sede de consumir, crie necessidades.
Ainda que o mundo faça o supérfluo virar moda.
Ainda que o mundo almeje privilégios, sustente desejo de grandeza, seja apegado as riquezas.
Ainda que o mundo explore os pequenos, roube os indefesos, tire o pão da boca dos pobres.
Ainda que o mundo assalte e cause terror, pise, explore, escravize trabalhadores.
Ainda que o mundo não tenha piedade, não se compadeça dos sofredores.
Ainda que o mundo afogue multidões na miséria.
Ainda que o mundo não esteja nem aí para o que é humano.
Ainda que o mundo tampouco se interesse pela defesa do meio ambiente.
Ainda que o mundo prime pela corrupção, acumule bens, concentre poderes.
Ainda que o mundo faça os humanos rastejarem sem eira nem beira.
Ainda que o mundo nos dê as costas.
Ainda que o mundo...
Aqui não tem lição de moral. Um mundo melhor está em nossas mãos.

28 setembro 2005

CAOS


Esperança no caos


Ira Brito


Um cão triste na rua. Alguém o abandonou.
Seu olhar é desolado.
Não tem o brilho luminoso comum aos olhos dos cães.
Um humano passa e chuta o pobre cachorro.
Chuta por chutar.
Simplesmente pelo desejo de fazer o mal.
O pontapé é violento. O cão sai ganindo.
Se soubesse falar, com certeza,
suas palavras seriam pedido de socorro.
Um homem sentado na praça. Parece fora de si.
Não tem aparência humana.
Seus olhos são apagados.
Suas vestes, trapos imundos.
Exala cheiro desagradável.
Todos baixam a cabeça ao passar perto dele.
O homem estende a mão, suplica ajuda.
Sua súplica é choro sem lágrimas.
Uma criança mexe o cesto de lixo.
Estaria a procura de objetos recicláveis?
Suas mãozinhas sujas
reviram com rapidez os restos ali depositados.
A criança de olhos acesos, porém tristes.
Ela parece assustada.
De repente apalpa algo e, súbito,
assim de modo animalesco,
leva à boca uma coisa que parecia coxa de frango.
Come com desespero.
Uma Brasília cinza. Crise. Cadê o dinheiro?
O gato comeu. E ninguém viu. O gato sumiu.
Mensalão, mensalinho. Não desceu no ralo.
Pousou em contas gordas.
Saiu da goela das crianças famintas,
das dores de quem tem que ficar horas
e horas nas filas dos hospitais públicos.
A vida não é respeitada.
Há lamento, angústia. Revolta.
A corrupção é velha e fede.
Tudo anda meio revirado.
A vida está triste.
Mas a esperança ainda é devir.
Ela é mais que tudo isso.

27 setembro 2005

LÁGRIMAS

Por Ira Brito

Minha tristeza
Eu confesso
Minha tristeza!
Fernando tinha só quatro anos
E foi arrastado pela correnteza
Eu confesso
Minha tristeza!
Ele corria tão feliz na rua
Ingênua inocência a sua
A cabecinha dele
Era pura certeza.
Eu confesso
Minha tristeza!
Um buraco
Um bueiro
Traiçoeiro
De quem é a culpa?
São tantos...
Eu choro
Prantos...
Sua mãe viu
Quando a terra o engoliu
Quatro aninhos
Tá com os anjinhos.
Enquanto isso
O Congresso ferve.
Isso dói tanto...

***

Eu confesso
Minha tristeza!
Não sei o nome dele
Anônimo.
Jovem com certeza
Vinte e cinco anos apenas
Recebeu o envelope fechado
Deu positivo HIV
Em pleno viço e beleza
Perdeu a esperança de viver
Eu confesso minha tristeza...
****

Hoje rezo
Pelos que choram
Muitos choram
Quantas lágrimas!
Sentidas...
Eu também choro
Quanta lástima!
Sou humano e sofro
Choro.
Eu confesso
Minha tristeza...

23 setembro 2005

ANGICO



A quem interessar possa

Ira Brito


Você já se imaginou morar num lugar onde não houvesse luz elétrica
e nada que costumeiramente temos acesso, como geladeira, televisão,
computador, Internet? Talvez você pergunte: é possível haver lugar assim
em pleno século XXI? É, sim!
Não pense que seja no Oriente Médio, China ou África.
O Brasil tem cerca de 12 milhões de pessoas
que vivem à luz de lamparina, como há dois séculos,
antes do americano, Thomas Edison, ter criado a lâmpada incandescente, em 1879.
Sabe-se que o governo federal quer iluminar todo Brasil até 2008.
Mas, promessas nem sempre se cumprem.
Um exemplo, no sertão do Ceará, revela isso.
Há pelos menos três pleitos eleitorais
a população viu os postes serem colocados
à frente de suas casas e retirados logo em seguida
ao término das eleições.
Nosso país não é bom para todos.
Não é bom para o pobre econômico,
o negro, o índio, as mulheres,
os discriminados nos seus mais variados rostos.
Nós, os privilegiados que sentamos em bancos universitários
e temos acesso a algumas mordomias deveríamos nos indignar mais.
A propósito do exemplo do sertão escuro, uma amiga aqui do Sul, Zeli Dambros,
voluntariamente, fez chegar luz ao povoado cearense de nome Angico.
Sensível, não mediu distância.
A gente de lá, agora pode ter acesso ao mínimo de conforto,
como assistir televisão, possuir uma geladeira e alongar sua visão de mundo.
Cabe a conhecida frase do poeta Terêncio:
Sou homem[humano], nada que seja humano me é estranho.
Obrigado Zeli! Você não imagina o tamanho da alegria
que proporcionou ao [meu] nosso povo
.

22 setembro 2005

PRIMAVERA



Primavera
Ira Brito

Primavera
Renascimento
Vida nova, fulgor
Juventude, beleza
As árvores explodem viçosas
Verdor e flores
Perfumes e cores
Os corações empedernidos
Amolecem
Os pássaros não perdem tempo
O raiar do dia é festa
Quem já não se emocionou com o canto do sabiá?!
Seu gorjeio é penetrante
Aos corações mais sensíveis pode até fazer chorar.
Chorar, rir ou simplesmente escutar.
O importante é sentir.
Primavera
É beleza sem preço
Encanto e simplicidade
Viver instantes de eterno prazer
É sedução, sensibilidade
Algo que não se explica, apenas sente-se
A primavera abre as portas de um novo tempo
Ela não hipnotiza, tampouco faz fugir da realidade
Ao contrário, abre-nos os olhos
Incita-nos a gostar da vida

21 setembro 2005

RAPIDINHA



RAPIDINHA
Ira Brito

A poesia lhe encheu os olhos
Falou de uma tíbia esperança
Meu Deus, como gosto de gente!
O futuro acena uma gris esperança
Olhei para o amigo de óculos
Por baixo seu olhar era confiança...

Ele gosta do pôr-do-sol
Viu que a lua saiu amassada
Mesmo assim estava tão linda
Deu um aperto de mão apressada
Sentiu uma energia tão boa
Sua alma ficou lavada...

Sentiu o gosto amargo
Assim aprenderá a lição
Bastava um instante de prazer
Para acalmar este vulcão
Por dentro queima em labaredas
A aparência esconde tensão...

19 setembro 2005

SABIÁ



Ira Brito

Há dias que o sol não aparece
Mas o Sabiá hoje cantou
Ainda estava escuro
Quando sua canção ecoou
É sinal que vem bom tempo
O coração logo palpitou...

Meu pai sempre disse
Que o Sabiá é abençoado
Quando ele canta é festa
A natureza manda um recado
Deus acredita nos homens
E perdoa qualquer pecado...

É sinal que o inverno acena
Dá lugar a primavera
As árvores viçosas brotam
Galho seco já era
A mãe terra alegra vibra
Vida além da quimera...

Humanos sejam felizes
Olhem só a natureza
Que bela sua harmonia
O ínfimo ser é grandeza
Cada broto é toda vida
Envolto em tanta beleza...

DOMINGO...



Ira Brito


Domingo chuvoso
Pode trazer tristeza
Às vezes dá tédio
E até incerteza
Um vazio na alma
E certa moleza...

Mas quando um amigo
Que não é "normal"
Sugere um programa
Também "anormal"
Passear na chuva
Tudo fica legal...

Dois guarda-chuvas
Um sapato furado
As poças de água
O pé bem molhado
Alguém escorrega
Quase é estatelado...

Quando Guerra é
Sobrenome de paz
Um amigo do peito
Isso é bom demais
Paradoxos fascinantes
Sentimento que compraz...

Os amigos riem
Sentem a natureza
Os assuntos fluem
Tudo é só beleza
Domingo agora é
Sinônimo de certeza...

O som da chuva
O cheiro de mato
A vida que pulsa
Nada é contrato
Ninguém atropela
O momento é ato...

Ato tão simples
Fincado na história
De duas vidas
Que não é ilusória
Alimentam os sonhos
E plantam memória...

Falam do hoje
E da vida futura
Olham pro céu
Admiram a natura
Ouvem sons das folhas
Comentam cultura ...

A chuva aumenta
O dia escurece
Os dois silenciam
Em forma de prece
Ambos e Deus sabe
A alegria que acontece....

A amizade é um mistério
Tão bom de sentir
Cada instante é eterno
Faz o mundo sorrir
Os medos se vão
Ninguém quer partir...

A amizade é um dom
Algo assim inefável
Quem a tem é feliz
Seu olhar é afável
Não anda amarga
Tem trato amável...

Se em nossos dias
Impera o superficial
Ainda há sentido
No mundo animal
Pessoas que aspiram
A vida total....

16 setembro 2005

Vácuo





VÁCUO

Ira Brito

Ainda era escuro
Neblina na madrugada
O jovem manchou a vida
E degolou a namorada
O sol nem quis nascer
Naquela manhã nublada...

Dentro do apartamento
Dois corpos ensangüentados
Não era cena de filmes
Dos draminhas enlatados
Nem era letra de poema
Dos poetas exagerados...

Era a vida bem real
Além da televisão
O sangue duma jovem
Escorria pelo chão
Sete facadas apagavam
Um inocente coração...

Agora um corpo quente
O outro, todo gelado
O jovem feriu o pulso
Tá zonzo, desesperado
O silêncio é estridente
Está tudo consumado...

O cenário é de horror
A consciência grita
A porta está fechada
O apartamento agita
Alguém bate de fora
A maçaneta irrita...

O rapaz ali abraçado
À menina que o amou
Ele colado ao corpo
Que tantas vezes beijou
Como pode ter arrancado
Do jardim aquela flor?!

Duas garrafas vazias
Comprimidos faixa preta
Sangue em toda parte
Face da morte em careta
Duas vidas ali ceifadas
A droga é mesmo capeta...

Ficamos todos chocados
Com tal acontecimento
Parece que o mundo tá
Pintado assim de cinzento
Tudo está muito escuro
Em toda parte há lamento...

Somos parte de um todo
A dor não tá doutro lado
O universo mora em nós
Cada um é um culpado
Jogar pedra não resolve
Este mal estruturado...

Sabe lá o que é sentir
A terrível solidão
Sabe lá o que é o vazio
De um triste coração
Sabe lá o que preenche
Uma vida sem razão...

Há tanta gente que chora
Ou mesmo amarga a dor
Que reprime seu vazio
E não enxerga valor
Há jovens pedindo colo
E carentes de amor...

Somos todos convidados
A aprender uma lição
A pós-modernidade está
Congelando o coração
Da humanidade inteira
Que vive sem compaixão...

Todos nós padecemos
Dum tal esvaziamento
A juventude é vítima
E abafa seu lamento
Vez e outra uma tragédia
Nos tira do isolamento...

Acordemos para a vida
Respeitemos as diferenças
Nenhum humano é estranho
Chega de desavenças
A ordem é amar sempre
Independente de crenças...

14 setembro 2005

Morto Vivo




Morto Vivo

Ira Brito


Na calçada, algo parecido com corpo de gente. Enrolado com uns panos imundos. Move-se. Treme. Está encurvado. O Cobertor é curto. Temperatura baixa. Chão frio. E o corpo? Gelado, com certeza. Avenida movimentada. É o centro símbolo do poder econômico do país. Gente importante passa por ali. Parece até desfile de moda. Também se assemelha a formigueiro assanhado. Os rostos são diversos: lisos, rugados, tristes, assustados, carentes.
Ouve-se os toc-toc de sapatos. Todos têm pressa. Uns vão, outros vêm. Os prédios ostentam poder. Tão altos. Tudo muito limpo. Há torres querendo alcançar os céus. Barulho. Muito barulho. Pessoas saem de sob o chão. É a estação do metrô. O movimento é intenso.
O sol ainda não apareceu. Dia enevoado este. As lojas abrem-se. Suas vitrines são sedutoras. Anúncios, letreiros luminosos. Tudo é movimento. Apesar do dia embaçado a avenida não perde seu brilho.
Semáforos. Carros velozes, indo e vindo. Seus vidros são escuros, não se vê quem lá dentro está. Aqui fora não é diferente. Ninguém se vê. Pelo menos é o que parece. A sensação que se tem é de aglomeração solitária. Tropeçam uns nos outros, no entanto, o clima é de indiferença.
O tempo fica mais escuro. Começa a garoar. Apressam-se os passos. Abrem-se grandes e pequenos guarda-chuvas, todos pretos. O dia segue agitado. E o corpo? Ah, o corpo. Permanece ali. Ninguém deu conta dele. É mais um ser humano que deixa de existir aos olhos da multidão.

Esquina...





ESQUINA
Por Ira Brito
Na esquina, corpos à venda. Mercadoria humana. Não adianta disfarçar. Há corpos, sim. A noite é testemunha. São corpos jovens. Cheios de vida. A cidade olha, apenas olha. Na esquina a hipocrisia da cidade se revela. Os preconceitos se escondem. A vida se consome. Na esquina o pé é veloz. O pneu canta. O carro ultrapassa os limites, o pedestre corre. O farol põe limite. O florista oferece flores vermelhas. O panfletista quer se ver livre das chatas folhinhas. Na esquina as pessoas se cruzam e não se vêem. Alguém pede ajuda. O mendigo é quase pisado. Os tamancos desfilam. O bêbado cambaleia. Na esquina há medo de assalto. Há fumaça. Há cheiro de churrasco. Há churros à venda. Há pessoas correndo. Na esquina há crianças sujas com flanela nas mãos. Há rostos humilhados. Há desempregados na fila cruzando a esquina. Há olhos arregalados. Há pressa. Na esquina, o vendedor de balas. O vendedor de cintos e carteiras. Alguém grita: olha o passe! Na esquina há músicas tristes. Cds piratas.
Na esquina a calçada é mercado livre. É cama do sem-teto. É abrigo dos sem-vida. É um cantinho da cidade. A noite e o dia são testemunhas deste mundo à parte. A esquina é mais do que sinônimo de vida fácil. É mais que as expressões preconceituosas ditas por ai. Uma boa parte da cidade está na esquina. A esquina como sinônimo dos varridos pelos sistema injusto. A esquina no sentido dos anônimos que lutam pela sobrevivência.

09 setembro 2005

Momentos...


Momentos
Por Ira Brito

Há momentos que a vida é cinza, noutros tudo é colorido. Há momentos que o sol brilha, o céu é azul e a vida é só beleza, esplendor, encanto. Há momentos nublados, há noites sem estrelas. Há trevas, medo, vontade de nem ser. Há momentos que tudo é flor, é cheiro, é sabor. Há momentos de frieza, indiferença, descaso, fuga. Há momentos que preferimos a solidão, noutros queremos multidão. Há momentos que nos roubam a primavera, arrancam nossas rosas e semeiam erva-daninha no jardim de nossa vida. Há momentos de prazer comprado, de sentimentos traídos, de amor não correspondido. Há momentos de desalento, de enfado, de tédio. Há momentos em que tudo é sério: não há piada engraçada, nem o mais hilariante dos palhaços provoca risos. Há momentos de fracasso. Há momentos que se jura amor eterno. Há momentos que o amor se esvai, que a gente vacila, que as promessas já eram. Há momentos que desejaríamos voltar ao passado; noutros, preferiríamos apagá-lo, deixar nem rastros. Há momentos que levamos a vida, que a empurramos com a barriga, que nada nos fascina. Há momentos que o entusiasmo nos preenche, que a esperança nos convence. Há momentos que tudo nos comove, que ninguém nos põe à prova. Há momentos que a fé move montanhas. Há momentos que nenhum ser humano nos é estranho. Há momentos de perdas e danos. Há momentos que arriscamos a vida, que a culpamos por tudo. Há momentos que o medo nos balança, que a esperança cansa. Há momentos que a confiança não é vã.

04 setembro 2005

A mancha...



















A Mancha...

Ira Brito

Sou parte de um todo
D'uma história complicada
Da raça humana extensão
Herdeiro de uma cilada

Dizem que já nasci
C'uma falta registrada...

Eclipse Total





Eclipse Total
Por Ira Brito

Despontou luminosa. Bela, exuberante, sedutora. É certo que todos viraram o olhar para apreciá-la. Parece que tudo girava em torno dela. Naquela noite foi grande o número de pessoas acordadas até altas horas, simplesmente encantadas pelo espetáculo gratuito.
Ela apareceu aos poucos, assim como quem no final tem uma surpresa a apresentar. Pois de repente estava lá, completa. Ao mesmo tempo que demostrava olhar para os que erguiam os olhos para ela, mostrava-se totalmente indiferente a todos. Seguia sua trilha silenciosamente. É que o silêncio às vezes diz mais que muitas palavras jogadas ao vento. Quantos corações não estariam pulsando naquele momento, com os mais profundos e contraditórios sentimentos humanos!
Foi traçando seu rastro luminoso e, como se houvesse acordo com o tempo, nada se intrometeu no caminho. Não foi necessário nenhum abre alas. A trilha era toda sua. Seguia cheia de brio, serena, admirável. Alguns olhos dizem que transmitia também tristeza. É, a vida não é feita só de contentamento, todos temos nossas dores, às vezes escondidas, mas bem reais, lá no íntimo. Cada um sabe onde a dor mais aperta.
A tristeza foi ficando visível no semblante dela. E quem disse que o belo também não é triste! Estava certo quem percebeu esse sentimento. Aos poucos uma sombra foi cobrindo-a. E não demorou muito a tornar-se totalmente ofuscada. Lá no alto, em fases, como é toda sua vida, foi desaparecendo. Parecia guardar mais uma surpresa para o final. De fato, a surpresa final veio. Foi-se a luz. A noite tornou-se escura. Dava até medo. A lua cheia sumiu. Eclipse total.

03 setembro 2005

A solidão...



A solidão
Por Ira Brito

A solidão é fera, disse o poeta. Sim, a solidão é fera. Ela chega e invade o coração. Abre um vácuo no peito, na alma. Sem avisar nem pedir licença a solidão muda a cor de nossa existência. Pode ser num um pôr-do-sol ou mesmo no raiar de novo dia. Quando ela chega o que é mais belo pode ficar feio e triste. Há quem chore de solidão. Ela causa vazio. Dói. Tudo parece escuro ou claro demais. Perde-se o gosto. Tudo parece insosso ou amargo demais. Tudo parece largo ou estreito demais. Tudo prece fugaz ou eterno demais. Uma carga de negatividade cobre a beleza em volta.
A solidão é amiga das horas, prima, irmã do tempo, disse o poeta. Ela anda com a multidão na rua, nos vagões do trem, nos ônibus coletivos. Senta no banco da praça e até dá milho aos pombos. A solidão incomoda. Pode descer das paredes como a umidade em dias de inverno. Às vezes, o gatinho ou o cãozinho de estimação a espanta. O rádio, a tevê ligados a distrai. A oração ao santo de devoção a acalma, a prece ao Anjo da Guardo a manda embora por alguns instantes. A entrega nas mãos de Deus a alivia.
Ela é fera, mas é domável. Quem sabe um cumprimento ao vizinho do apartamento ao lado. Puxar assunto qualquer enquanto desce ou sobe o elevador. Algum esforço para quebrar a frieza dos relacionamentos humanos. A solidão também é mestra. Ela pode ensinar lições que só o silêncio sabe dar.

Ladainha da Vergonha...




Ladainha da Vergonha...
Por Ira Brito

Deveríamos corar de vergonha... O escândalo da miséria deveria nos envergonhar. Crianças passando fome, perambulando pelas ruas, vendendo qualquer coisa deveria nos envergonhar. A morte de nossos índios, das crianças indígenas, dos pequenos inocentes deveria nos envergonhar. Idosos desrespeitados em filas de hospitais, em filas da previdência social deveria nos envergonhar. O preconceito racial e de classe em nosso país deveria nos envergonhar. A violência urbana deveria nos envergonhar. O medo que nos faz refém do semelhante deveria nos envergonhar. O abismo entre pobres e ricos no Brasil deveria nos envergonhar. O pedantismo da elite brasileira deveria nos envergonhar. Os privilégios dos deputados de nossa república deveria nos envergonhar. A corrupção na política deveria nos envergonhar. A religião que comunga com o sistema opressor e explora os pobres deveria nos envergonhar. O trabalho escravo de trabalhadores urbanos e rurais deveria nos envergonhar. A exploração sexual de crianças e jovens deveria nos envergonhar. A multidão de seres humanos que vivem jogados nas calçadas de nossas metrópoles deveria nos envergonhar. O alto lucro dos bancos e a baixa renda do trabalhador deveria nos envergonhar. Sim, deveríamos corar de vergonha de toda a ladroagem que há em nosso país enquanto o trabalhador honesto vive contando as moedinhas para completar o dinheiro do leite, do pão, da água, da luz, de tudo para viver dignamente.
O silêncio não pode imperar. Não se pode calar perante o poder que gera a miséria de tantos irmãos. Há um mal estrutural a ser combatido.

02 setembro 2005

Devaneio






Devaneio

Por Ira Brito

Dias desses me peguei pensando na morte. De repente me vi sozinho numa sala enorme, escura e vazia. Meu corpo estava coberto de flores e uma vela triste chorava e se consumia por mim. Senti a frieza dos pés e a dureza da pele pálida. Meu pensamento divagou rapidamente e já não me encontrava na sala, agora era levado para a sepultura. Uma multidão seguia meu funeral. Quando me vi sepultado tremi nas bases. Tive um arrepio que doeu a espinha dorsal. Súbito o pensamento sinistro foi embora. Ainda bem.
Não me pergunte por que pensei nisso. Nem eu sei. São essas coisas, que sem a gente deixar invadem a imaginação. Que um dia minhas carnes serão comidas pelos vermes ou transformadas em cinzas não há dúvida. Mas pensar nisso pra quê?! Repito: não sei por que imaginei tal cena. Não ando pensando em morrer. Um dia partirei, mas ainda tenho muito o que fazer por aqui. Vai pra lá pensamento agourento!
Apesar de o mundo está um caos, vale acreditar que a vida é bem mais. Muito mais que as amizades virtuais. Além dos relacionamentos superficiais e o prazer comprado. Muito mais que as aparências. É mais que aquela dor apertada, contida, sangrando lá dentro. A vida é mais que os perigos, é mais que os riscos. É bem mais que as regras. É mais que a paixão e além da razão. Muito mais que a solidão. É mais que o orgulho. Vai além dos nossos planos. A vida é bem mais que a droga. É mais que o preconceito. A vida é bem mais que a fome, a doença, a miséria. É muito mais que os desencontros. A vida é bem mais que a mediocridade. É mais que o convencional. Vai além do destino. É mais que a sorte. É muito mais que as perdas. A vida é bem mais que a morte.

01 setembro 2005

Rei do Baião




O Rei do Baião
Por Ira Brito
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Homem de voz forte
Luiz o rei do baião
O cantor dos esquecidos
Da cidade e do sertão
Cabra lá do Nordeste
Seu canto é uma oração...

Amante das coisas simples
Filho do interior Exú
Ninguém cantou o Nordeste
Tão bem como fizeste tu
Sanfoneiro dos melhores
Da terra do Maracatu...

Influenciou muitos artistas
O Velho Lua da folia
Seu canto ecoou além mar
Com ritmo e maestria
Seu baião é o registro
Da mais pura alegria...

Foi mesmo um cabra da peste
Sem medo de ser o que é
Cantou pra espantar tristeza
Até mesmo em cabaré
A sanfona gritava forte
O povo arrastava o pé...

Migrante em lugar distante
Sudeste terra prometida
Lugar pra começar a fama
E melhorar também a vida
Foi ali que o rei começou
E fez chorar com a Triste Partida....

Luz...








Luz...

Luz de brilho forte

luz de resplendor

luz que és a vida

dá-nos muito amor

livra-nos da peste

da guerra e do terror...

O tempo





O TEMPO
Por Ira Brito
Procurando as palavras
O tempo já me consome
O relógio me abre os olhos:
Decifra-me ou morre de fome
Eu sugo as tuas vísceras
E dou soco em teu abdome...

Sou puxado pelo braço
Pelo tempo irreversível

Não sei para onde vou
Nesse sufoco terrível
A angústia me espreme
É uma sensação horrível...

Águia com unhas de harpia
É a esfinge a nossa frente
O mito grego sempre esteve
Em nossa vida presente
Se não decifrar seus códigos
Descemos em goela quente...

Suas garras de leão
E cabeça de mulher
Questiona todo mundo
Do sabido ao mais mané
Quem vacilar tá frito
Morre o cético e o de fé...

As perguntas são muitas
Os enigmas até demais
Vão deixando os estigmas
E nos tirando a paz
Nem o mais vero exorcista
Expulsa este satanás...
[...]

Escadas e Ralos





Escadas e Ralos

Por Antonio Iraildo Alves de Brito

Aquela dor inexplicável, afogando desejos, sufocando a alma. Noite escura em pleno dia. Sabe lá o que é morrer de fome em meio à fartura! Vai e vem. Anda, corre. Respira, olha para o infinito, mas a dor não passa. Ao contrário, rasga lá dentro. Mãos trêmulas, olhos em chamas. Boca seca. Desengano.
Sobe todos os lances da escada correndo. Chega ao quarto ofegando. A dor inexplicável invade seu corpo exausto, vazio.
- O que se passa, meu Deus?
São muitos os questionamentos. Respostas quase sempre não as encontra.
No quarto, frente a frente com a solidão. Em constante duelo com seus monstros, sente-se incapaz de enfrentá-los. Cede. Num lapso, vê-se na caverna. Tudo são trevas. O medo apodera-se de seu ser frágil, outrora vigoroso, capaz de segurar um touro pelos chifres. Grita alto. Ouve o eco de sua voz. Triste criatura.
- Não, isso só pode ser pesadelo.
Quer acordar e ver o dia claro e o céu azul.
- Ah, como é lindo o pôr-do-sol!
No instante em que pensa em coisas belas o tempo parece eterno. Lembra-se da frase que leu em algum lugar: um instante de prazer justifica toda a vida. Saboreia a frase, degusta-a com toda fome. Sente o gostinho da vida. Gozos comprados. Sentimentos traídos. Luzes. Sombras. Vida.
Volta à escuridão. Ouve chiado de baratas. Movimento de rato. Gemidos. Choro. Arrepia-se todo. Treme. Alarma. Tenta correr. Corpo imóvel, gelado, suor frio. Sem saída.
- Ai que dor!
Cai. Jaz no silêncio que grita. Grunhe.
No momento é menos que um porquinho. Exaurido no chão da existência. Ferido de um mal sem cura.
- Ó mundo cruel! Ó humanos selvagens!
Grita o silêncio e a solidão. Ninguém ouve.
Há quem passe nos enormes corredores da casa. Ouvidos cerrados. Há quem corra atrás de compromissos. Agendas lotadas. Ninguém ouve. Apenas silêncio e solidão. Nem pai, mãe, irmão, amigo, parente.
- Se aparecesse um bom Samaritano.
Que nada! Somente paredes e segredos de uma vida fugaz.
Um corpo se mexe. Desperta. Abre os olhos. Está caído ali no banheiro. Molhado de urina e sujo de merda. Podre! Levanta-se cambaleando. Parece dar os primeiros passinhos. Despe-se. Carnes flácidas. Olha-se. Espelho sujo de respingos de pasta. Não gosta do que vê. Liga o chuveiro. Lágrimas e água. Pranto sem consolo. Angústia. Misto de vida e morte. Emburaca ralo adentro. Desce cano abaixo. Junta-se a outras sujeiras. Excrementos. Vermes asquerosos. Porras gosmentas. Pentelhos. Podridão que os humanos escondem para sobreviver.