15 outubro 2005

GRADES

Por Ira Brito

BR Cento e Dezesseis
Presídio Industrial
Do outro lado da rua
Avista-se o Hospital
Adiante a Universidade
Abaixo ver-se o Sinal.


O sinal lembra limites
Do carro a velocidade
Vermelho, amarelo, verde
Convivência na cidade
Universidade é cultura
BR é liberdade.


O presídio está aí
Em meio a este cenário
Lá dentro há muita história
Além do que é ordinário
Pois é sobre isso que venho
Fazer o meu comentário.


Fui com o Raimundinho
Dois homens entrevistar
Ofícios e mais ofícios
Tivemos de apresentar
Com tudo dentro da lei
Pudemos ali entrar.


Ouvir barulho de grades
Sentir cheiro de prisão
Ouvir zunzum de vozes
Um calor de multidão
Homens às margens da BR
Presos num caldeirão.


Não entramos nas celas
Mas aquela energia!
Os corredores tensos
Gente em correria
Pelo ar não pareceu
Ser lugar de alegria.


Não fui com medo
Mas receei ser refém
Rezei ao Anjo da Guarda
Me rege, me ilumine, amém
Comentei isso pro Rá
Ele observou também.


Mas era só papo de "Foca"
Numa nova experiência
Marlon nos recebeu
Em clima de audiência
Nos guiou pra sua sala
Com educação e decência.

Aguardamos os dois homens
Fiz um rápido plano geral
Observei bem o escritório
Num olhar especial
Vi São Jorge na parede
Em madeira artesanal.

Primeiro veio o Moisés
Apertamos sua mão
Ele, 26 anos de idade
Sete anos de prisão
O crime que cometeu
Não era nossa questão.

Comentou de sua vida
Do sonho de liberdade
Para cuidar da família
Da reinserção na sociedade
Falou dos preconceitos
E de muita dificuldade.

Fez apelo aos "livres"
"Na cadeia tem é gente"
Lá não é lugar de bicho
Que errou, está ciente
Espera pagar a pena
E sair de lá contente.

Disse não ter revolta
Mas pareceu intimidado
Olhou para o diretor
Que estava ali do lado
Moisés queria dizer mais
"Aqui não sou maltratado."

Tinha muito mais a falar
Mas pra nós estava bom
Nos despedimos dele
Eu conferi o som
Se o gravador estava
No volume e no tom.

Moisés retorna à cela
É nos trazido o Armando
Um rapaz inteligente
Que vai logo se sentando
Tem um olhar bem fixo
Parece está estudando.

Diz "de cara" sem receio
Que a cadeia não recupera
Toda espécie de criminoso
Pela liberdade espera
No entanto "lá fora"
A discriminação é severa.

Armando se comunica
Com muita facilidade
Diz rápido ter um filho
De quem sente saudade
Se expressa com as mãos
Na língua tem habilidade.

Quem foi preso uma vez
A polícia jamais esquece
Para arrumar um emprego
A ficha criminal aparece
A empresa não contrata
E a auto-estima desce.

Armando sabe que deve
Mas diz ter sido enganado
Preso pela segunda vez
Por erros lá do passado
Espera sair das grades
E jamais ser condenado.


Sabe das dificuldades
Que deverá enfrentar
Mais confia nos amigos
Para seu recomeçar
Quer reconstruir a vida
E nova semente plantar.

Armando deixa um recado:
Cadeia não é só de bandidão
Nem só lugar de monstros
Mas tem homens de coração
Entra lá donos de bingos
E proprietário de mansão.

Terminamos a conversa
Me sinto meio perdido
Fica um vácuo na sala
Mas a pauta tem sentido
Armando é levado de volta
Das grades ouço o tinido.

Não vou aqui expressar
A sensação que ficou
Nem dar lição de moral
De amor ou de rancor
Deixo minhas impressões
Daquilo que me marcou...

MISCELÂNIA

Por Ira Brito

Lembro daquele dia
Que passei em Cabrobó
Uma mulher banguela
Seu sorriso dava dó
Ela pedia esmolas
Com cabelos em cocó...

Passei ali de ônibus
Com destino ao Ceará
Viajando três dias
Um percurso de cansar
A origem foi São Paulo
E a meta meu lugar...

*******
Uma chamada telefônica
Me deixa aqui preocupado
Um sobrinho q amo muito
Está doente e internado
Ai meu Deus vela por ele
Que nada seja complicado...

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Dom Luiz Cappio em jejum
Naquela cidade esquecida
Atrai todas atenções
A favor da gente sofrida
Em nome do São Francisco
E da população oprimida...


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Há tanto o que fazer
Não há tempo pra "coçar"
Enquantos uns têm fome
Outros estão a esbanjar
Se uns arrotam arrogância
Outros nem podem falar...

Pois deixa eu ficar assim
No meu cantim a pensar
Em quem anda meio triste
E sem rumo pra andar
Que perdeu a esperança
E não tem a quem amar...

Cada macaco no seu galho
O "sapato" é que me aperta
Uma dorzinha nojenta
Me canta música secreta
A certeza que eu tenho
Não é uma certeza certa...

10 outubro 2005

ALÉM DO CLIMA

Por Ira Brito


Não é fácil compreender as falcatruas do poder. Os que comandam a máquina pública se acham no direito de fazer o que bem entendem com o dinheiro do povo. Desviam grana para suas contas no exterior e gastam absurdos em campanhas eleitorais. Mas não movem uma palha para tirar da miséria tantos sertanejos sofredores, castigados pela seca e pela a omissão de políticos que prometem o paraíso e depois oferecem o inferno.
A indústria da seca é um dos maiores fardos impostos ao povo sofrido do sertão nordestino. Ainda hoje se atribui a miséria do sertanejo às condições climáticas. Muito além do clima está a crueldade da politicagem nojenta que em pleno século do desenvolvimento tecnológico condena populações à condições de vida semelhantes ao tempo medieval.
Felizmente o povo não é mais tão bobo. Embora alguns ainda temam os chicotes dos coronéis modernos, outros, aos poucos, libertam-se da ignorância e clamam por justiça. Quem sabe o cenário desolador pelo qual a sociedade brasileira passa no momento seja lição de conscientização. E dessa forma os cidadãos aprendam a abominar os políticos carniceiros, corruptos e interesseiros que estraçalham o patrimônio do Estado em nome de seus prazeres e ganâncias.