18 novembro 2006

TAMBORES

por Ira Brito

a Zumbi, aos homens e mulheres de nosso chão que nunca se curvaram perante a covardia e o preconceito daqueles que cospem e pisam a dignidade humana...

De letra em letra
Ponho frases no varal
Os pés sentem as folhas
Das árvores do meu quintal
A cigarra entoa cantiga
Mandando embora o mal


O mal que quer ser o rei
E destruir o amor
Que planta a discórdia
Bem como espalha a dor
E germina em cada mente
A semente do terror


Quem disse que o branco é
O melhor e mais decente?
Qual a teoria que afirma
E constata tal corrente?!
Só mesmo assegura isso
Quem não é inteligente


Mas há quem insista nisso
E alimente o preconceito
Dizendo que negro é
Um tipo que não tem jeito
Só age desta maneira
Quem é vazio de conceito


A escravidão foi abolida
Mas suas marcas permanecem
De Norte a Sul do Brasil
Os negros sempre padecem
Só não ver quem não quer
As chagas que ainda crescem


Porém o tambor bate forte
No peito pula o coração
O sangue quente na veia
A boca declama canção
O terreiro canta feliz
Nunca mais escravidão


Os tambores bateram ontem
Retumbam hoje também
Anunciam a liberdade
Dizem que novo mundo vem
Não só para alguns eleitos
Mas para os negros também


Se ontem tinha senzala
Hoje tem a favela
Antes havia quilombo
Hoje há outra janela
Nunca faltam saídas
Pra quem acha a vida bela


Só há uma raça no mundo
Isto é, a raça humana
Mas há diferença de cor
Ignorância pura e insana
Coisa de gente tola
Mesquinha e desumana


Para o mundo ser melhor
Há de se respeitar as diferenças
Combater todo o preconceito
Amenizar as desavenças
Nenhum humano estranho
Respeito a todas as crenças


Quem se acha no direito
De os outros dominar
Deveria olhar para si
E a ninguém mais maltratar
Ver que o sol nasce pra todos
Cada um tem seu lugar


Que nossa origem é a mesma
Besteira grande é negar
Somos parte de um todo
O melhor mesmo é aceitar
A beleza está nas diferenças
E não em padronizar


O preconceito mata
A ignorância assassina
A estupidez é cruel
Pode mudar nossa sina
Quem ama não perde tempo
Com coisa assim tão mesquinha...

ISAIAS X MOISÉS

Nossa "Cigarra" trouxe Nietzsche para este espaço. Gostei! Peço licença aos caros amigos Isaías e Moisés para publicar aqui, bem na frente, o confronto de idéias. Assim os amigos e amigas que nos visitam podem usufruir melhor do Disputatio. Agradeço aos dois pela discussão. O debate entre diferentes idéias é sempre uma oportunidade para crescer e amadurecer os conceitos. E mais: partilhar conhecimento.

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Anônimo disse...
Ainda bem que você não fala de Nietzsche, pois se assim fosse eu não teriar argumentos. Muito boa a poesia última. "Cantará até expodir"; essa cigarra chegou ao "Übermacht", e isso é bom!
Novembro 05, 2006

משֶׁה disse...
Viva o som da vida...a vida simples, una e material, natural e complexa. Viva essa nossa natureza que nos assemelha aos bichos e nos destaca dentre os bichos. Ao anônimo-anômalo o desafio: Se há um “super-homem” como queria Nietzsche, haverá só nos cinemas, um ET, uma ficção para ilustrar as mentes doentias dos neo-nazistas com suas perversões. Viva a o “pífio-homem”, “que sabe que nada sabe”, sabendo que vai morrer.
Novembro 06, 2006

Isaias Silva Pinto disse...
Meu caro Moisés, somos marcados como seres que pensam e, nisso, a filosofia tem a dar sua contribuição. Ela quer tirar o ser humano de um mundo acomodado no raciocínio lógico intelectual para um mundo mais crítico e reflexivo. Isso ela o faz na e pela história. Dela surge questionamentos como o que é a verdade em si, e a verdade não está presente nos cinemas, estou certo disso. Pelo que pude perceber, você não compreendeu muito bem o nosso "Übermacht" ... Nós bem sabemos que a história é marcada pela inserção de várias correntes filosóficas ao longo das décadas. À medida que o homem evolui, sente-se rodeado a todo o momento da filosofia, que faz parte – quer queira quer não – da sua própria existência. Filósofos são apêndices da nossa filosofia, são eles as peças menos importantes, pois o pensar, a verdade e todas as razões e circunstâncias que permeiam o pensar existem e sempre existirão independentemente do que queiramos. Você que é filósofo por formação bem sabe que Descartes em sua Carta-prefácio aos princípios afirma que “viver sem filosofar é ter os olhos fechados sem jamais fazer o esforço por abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vida descobre não é compatível à satisfação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia; e seu estudo é mais necessário que regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso dos nossos olhos para guiar nossos passos”. A vida está presente na cigarra que canta, no homem que morre, e na própria morte que é o fim, ou dirá outros, o começo ... Viva a vida, faça e viva o amor ... não faça guerra!P.S.: O "anônimo-anômalo" não é mais anônimo-anômalo, é eu!
Novembro 09, 2006

משֶׁה disse...
Caro Isaias,Em primeiro lugar, desejo pedir desculpas a ti pelas minhas palavras: “Ao anônimo-anômalo o desafio: Se há um ‘super-homem’ como queria Nietzsche, haverá só nos cinemas, um ET, uma ficção para ilustrar as mentes doentias dos neo-nazistas com suas perversões. Viva a o ‘pífio-homem’, ‘que sabe que nada sabe’, sabendo que vai morrer”. Não sabia que eras tu. Se bem me lembro, da última vez que discutimos sobre o autor de “Assim falava Zoroastro”, terminei a discussão pedindo-te desculpas, e assim inicio essa breve resposta, sabendo que será a última, pois tu já conheces minha posição em relação a Nietzsche. Desobedeço meu mestre, Wittgenstein, que na última proposição de seu livro "Tratactus Logico-Philosophicus" afirmava: “do que não se pode falar, deve-se calar"[TLF 7]. Deveria me calar. No entanto, cedo à tentação de responder a ti.Em segundo lugar, pensar é algo intrínseco ao ser humano e isso concordo contigo, mas o pensamento limita o ser humano que pensa mediante a linguagem e como tal, ela se torna uma armadilha para todos nós, armadilha desnecessária para vivermos e sobrevivermos. Dado que a linguagem são jogos, labirinto que vivermos, emaranhado por onde transitamos. Assim sendo, discordo ainda de ti, quando tu achas que a lógica e a intelectualidade está em oposição ao “crítico” e ao “reflexivo”. A lógica e o exame lógico da linguagem é o instrumento possível de conseguirmos analisar a linguagem, pois é na linguagem que há a possibilidade de construirmos o que tu chamaste de “crítico”, “flexivo” e “história”. Para mim, boa parte dos problemas filosóficos são mal-entendidos da linguagem, armadilhas de linguagem em que a maior parte dos filósofos caíram, começando por Parmênides e Sócrates, passando por Nietzsche, até os dias de hoje.Em terceiro lugar, ao analisar o seu jogo de linguagem, não sei o que é “a verdes em si”, muito menos relacioná-la com história, dado que em outros jogos da linguagem “a verdade em si” é religião ou a é a arte como divagaram alguns filósofos naturalistas e românticos do século XIX que influenciam hoje a dita filosofia contemporânea. O cinema tem sua “verdade em si” também, dado que é um jogo de linguagem muito interessante.Em quarto lugar, tu dissestes: “você não compreendeu muito bem o nosso ‘Übermacht’”. Devo confessar a ti, não entendo 90% das proposições filosóficas. E não me acho um asno por isso. Compreendo que a história da filosofia Ocidental é cheia de contra-senso mesmo. Para mim essas filosofias (Descartes e Nietzsche) tem uma camada espessa de proposições absurdas, desnecessárias, anômalas e que não passam de mal-estendidos lingüísticos, porque são palavras sem contexto, “jogo de linguagem” deslocado. Assim, com absurdos as filosofias foram se sucedendo uma após outra, produzindo gente alucinada por reflexão e crítica, mas encarceradas dentro da garrafa da linguagem. Os filósofos, embaraçadas na rede da linguagem se tornaram e são, muitas vezes, verdadeiras moscas presas no vidro sem possibilidade de encontrar a saída. A terapêutica de Wittgenstein tenta, pela análise lógica da linguagem, mostrar o caminho da saída do vidro. Por isso que para mim a filosofia é atividade terapêutica de vida, porque à filosofia não pode e nem deve se encerrar nisso que Descartes disse. E aqui para nós, Nietzsche deve ter se revirado no túmulo, por tu ter defendido a ele e a filosofia com argumento cartesiano, coisa que ele tanto combateu, ou seja, Lógica e Intelectualidade como tu salientastes no início de tua argumentação.Em quinto lugar: Tu disseste: “Você que é filósofo por formação”. Não sou filósofo e refuto esse atributo, sou mero estudante de filosofia e se topo criticar Nietzsche é mero exercício desobediente. Pois, ao elaborar essas argumentações, me sinto como que afundado numa areia movediça (linguagem) que tenta puxar outra pessoa afundada nessa areia movediça (linguagem). Desculpa-me pela figuração, mas é a única possível para eu compreender essa minha posição. E por fim, não sei o que é a vida e onde ela está. Defini-la é limitá-la, especular sobre ela é uma armadilha, transformá-la em um chavão é um insulto. Valeu. Devo silenciar-me agora e continuar seguindo os passos da terapêutica, coisa que sugiro a ti que é uma pessoa inteligente, esforçado e cheio de amor para com a vida.
Novembro 09, 2006

Isaias Silva Pinto disse...
Isso aí Moisés. Desculpe, mas eu não tenho como discutir filosofia com você. Eu sou um simples cosmopolita-emancipado, e nem tenho sequer graduação ainda. Peço que você tenha um pouco de paciência, e quem sabe um dia poderemos discutir à altura. Tive muita dificuldade em compreender sua resposta ao meu comentário, mesmo me utilizando de um diciónário de filosofia, e não estou à altura de discutir tais temas com você. Agradeço pela sua atenção, e confesso que pude aprender muito com suas palavras. Vou continuar meu esforço nas leituras de Nietzsche, estou até tentando fazer um trabalhinho que me tira o sono, "A desconstrução da Linguagem em Friedrich Wilhelm Nietzsche", mas depois do comentário, penso que é melhor eu mudar de foco, pois descobri que tudo que eu li e estudei do meu filósofo amado de nada me serve. Forte abraço, e fique com Deus.
Novembro 10, 2006

Anônimo disse...
“viver sem filosofar é ter os olhos fechados sem jamais fazer o esforço por abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vida descobre não é compatível à satisfação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia; e seu estudo é mais necessário que regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso dos nossos olhos para guiar nossos passos”
Descartes Apud. MORRA, Gianfranco. Filosofia para todos. São Paulo: Paulus, 2001. p. 9.