15 dezembro 2008

silêncio

"Sobre o que não se pode falar, deve-se calar"
(Ludwig Wittgenstein)



01 dezembro 2008

mais do mesmo

há tanto o que fazer
não há tempo pra "coçar"
se uns morrem de fome
outros vivem a esbanjar
há quem arrote arrogância
outros nem podem falar

pois deixa eu ficar aqui
no meu cantinho a pensar
em quem anda meio triste
e sem direção a tomar
que perdeu a esperança
e não tem a quem amar

cada macaco no seu galho
o "sapato" é que me aperta
uma dorzinha nojenta
me canta música secreta
a certeza que eu tenho
não é a certeza certa...

25 novembro 2008

dante

na cabeça o pensamento vagueia veloz
viajando idéias originais e em contrabando
no céu da praça dante pombos em bando
e o tempo de cara cinza, meio atroz

pombos livres, mas dependentes
querem do milho alguns dentes
há passantes, pés, carro e gente

mulheres da dante querem paz
tão expostas e tão invisíveis
de olhos apagados, mas incríveis
espreitam o inferno em que jazem

sugadas, desdentadas, desamadas
no peito, o vazio do amor
nos lábios, restos de batom
na face expressão d'alguma dor

sem nome, nem sobrenome
prazer é quase ausente
cada uma ali
sabe a dor que sente
e as migalhas de alegria
que sugam
na boca da noite
ou na clareira do dia...

18 novembro 2008

fragmentos

FONTE

num sorriso gratuito
ou num olhar de surpresa
o amor nasce e cresce
espalhando viço e beleza
como sentimento da alma
dispensa qualquer certeza

dispensa qualquer certeza
porque é gratuidade
ele é feito de encontros
e tecido com amizade
nele não há combrança
há, sim, cumplicidade

IMANENTE

o amor não morre nunca
se verdadeiramente for
ele enfrenta temporais
e suporta qualquer dor
é aconchego no inverno
e brisa fresca no calor

ele é mais do que aparência
do que ciência, é mistério
é muito mais que a vida
vai além do cemitério
não combina com a razão
ou outro lógico critério

o amor é tesouro raro
bem difícil de encontrar
quem o encontra é feliz
tem alguém para contar
nas alegrias e sonhos
e as dores compartilhar

METADES

a história de cada um
é feita de fragmentos
os retalhos são pedaços
de dois corações sedentos
as cores revelam algo
da alma e dos sentimentos

se alguém é aqui da terra
o outro é lá do mar
os extremos se atraem
e se apaixonam no olhar
dois corpos agora é um
no encantamento de amar

TEATRO

a vida é um espetáculo
cada um é um ator
pode ser também palhaço
e fingir que sente dor
ou mesmo rir sem graça
numa situação de horror

no aprendizado da vida
é bom juntar os pedaços
se o "sapato aperta o pé"
é só folgar os cadarços
mas se "bater com a cara"
tem de curtir os inchaços

DUAS SOLIDÕES

encontrar a alma gêmea
exige transformação
libertar-se das amarras
do rancor do coração
comunicar o afeto
ofecerendo o perdão

quando se alcança a meta
a colcha é finalizada
dorme-se sono tranqüilo
não existe hora errada
a experiência é rainha
o horizonte é estrada...

14 novembro 2008

sede de ver

sai por aí
com sede de ver
vi olhos sedentos
querendo viver

vi olhos dengosos, manhosos
vi olhos de cabrita, aflita
vi olhos pidões, dois corações
vi olhos ruidos, perdidos, doídos

vi olhos de várias cores, dores, amores
vi olhos ligeiros, certeiros, trigueiros
vi olhos de urubu, inhambu, capitu

vi olhos da cor da noite, açoite
vi olhos da cor do mar, amar
vi olhos da cor da terra, encerra

ah, quis entrar em cada olhar
mas todos fogem, dormem...

12 novembro 2008

antes de partir

daqui há dez anos, não!
a vida é hoje, é agora
nada de passar pelo mundo
com a sensação de estar fora
carpe diem, carpe diem
antes de irmos embora...

11 novembro 2008

11.11

dia cinza
nuvens densas
finitude é o sentimento
a palavra cala
a rima fácil não fala
e o texto não emana
a morte se fez
marcos partiu...

06 novembro 2008

prece

oh deus dos desgraçados
dos famintos de pão e de beleza
dos que mendigam amor
por lascívia, precisão ou favor
deus dos que vivem sem certeza
angustiados, ameaçados, em fragmentos
manda um anjo acalmar os tormentos
dos corpos emperdinidos, feridos, apodrecidos
oh deus de todos os credos
até dos ateus
temos medos
ainda há um vale de lágrimas
de lástimas
humanos rastejam
farejam sedentos
detrás de muros, entulhos
embrulhos e lonas
oh, deus
ouvi a prece muda...

05 novembro 2008

visada

a juventude branca
deste pedaço do sul
desfila com tênis caros
debaixo do céu azul
entre duas araucárias
está o sol todo nu...

04 novembro 2008

intimação

se a vida ameaçada for
regras quebrarei
leis transgridirei
o preceito é o amor

02 novembro 2008

memória

Diz-se que certa vez
perguntaram a um famoso poeta
qual frase gostaria que fosse escrita em sua lápide,
ao que ele respondeu:
“Quero que seja escrito: ‘Não estou aqui’”.
O poeta era ateu.
A morte constitui um dos maiores mistérios que nos envolvem.
Ela nos comove e, muitas vezes, nos põe à prova.
Quando criança, a primeira vez que fui a um velório fiquei assustado:
não com a falecida, já idosa, de cujo rosto ainda guardo a lembrança,
mas com os lamentos e prantos dos adultos diante do caixão.
A impressão que ficou foi que a vida daquela senhora terminava ali,
com a morte.
O desespero dos parentes parecia revelar o sentimento de perda para sempre.
Não havia, pelo visto, nenhuma possibilidade de esperança.
A sensação era de tragédia.
É certo que a partida faz chorar.
Aquele que verdadeiramente cultiva os sentimentos sente a dor da ausência,
sobretudo dos próximos e de quem mais ama.
É certo que não há mal em chorar a separação das pessoas queridas.
No entanto, neste dia de memória,
em vez de pensarmos na tragicidade da morte,
poderíamos refletir sobre o que nos falta fazer
para que ninguém seja privado do direito de viver bem no tempo presente.
E, quando chegar nossa hora, saberemos que nosso destino não é a tumba.
“Não estou aqui.”

01 novembro 2008

falange

da sacada olhou o horizonte
um barulho estranho ecoou
era tal um rugir de elefante
que enchia o silêncio de horror

na verdade o grito era interno
lá no poço onde a água é a dor
a rebelião dos demônios no inferno
reinando na ausência do amor...

31 outubro 2008

um nome

somos os pobres
fugimos da fome
batemos na porta
queremos um nome
já não suportamos
a dor no abdome

só queremos um nome...

arbusto

escrevo para viver
escapo na poesia
a dor que levo no peito
espanto com a luz do dia
a aurora, mãe do sol
me traz paz e alegria...

29 outubro 2008

metades

sou da raça de adão
mas também de prometeu
se um me legou a morte
o outro o fogo me deu
metade em mim é fé
outra metade é ateu...

27 outubro 2008

aceno

antes que as trevas da noite
viessem a terra cobrir
o sol abriu os olhos
e começou a sorrir
rapidamente recolheu-se
e começou a dormir...

26 outubro 2008

fiapo

sobe e desce ladeiras
nas veredas marginais
corre risco de morte
perde o sono e perde a paz
nas horas mortas da vida
seu filme sai de cartaz...

25 outubro 2008

quadras

nem conta no banco tenho
grana não acumulei
por que tenho de pagar
uma conta que não causei?

o deus de nome mercado
e os seus adoradores
agora estão atônitos
e aceitando favores

num dia a bolsa cai
noutro faz é despencar
a moeda americana
essa só dá é azar

o dinheiro não é tudo
nem traz a felicidade
mas ele comanda o mundo
daí a calamidade

24 outubro 2008

sofisma

não deixe o abraço de hoje para amanhã
gostou da árvore?
abrace-a agora
amanhã alguém poderá cortá-la
poucos gostam de árvores
gostam mais de folhas de grana
é preferível ser louco neste mundo
ser louco
a loucura é mãe da sabedoria...

22 outubro 2008

21 outubro 2008

minuano

o minuano me arrepia
é como se um monstro rosnasse
e unhasse na altura de minha janela
janela do quarto
e de meu corpo sem paredes...

20 outubro 2008

clareira

o dia luminoso de hoje
recompensou uma semana de chuva
lembrei feliz da filosofia de meu pai:
"tudo tem sua vez"

19 outubro 2008

sunday

o sol chegou
dies dominicus
"dia do Senhor"
bendito seja
veio para iluminar
"a quantos jazem entre as trevas
e na sombra da morte estão sentados
e para dirigir os nossos passos,
guiando-os no caminho da paz."

18 outubro 2008

sinal

De longe avistou o semáforo,
o sinal estava livre para pedestre.
Correu, tentando chegar a tempo de ultrapassar a grande avenida.
Não conseguiu. Agora é a vez dos carros passarem.
É grande o movimento de veículos.
Motos passam quase raspando entre os carros.
O pedestre olha com impaciência para o farol em vermelho.
Vermelho vivo, gritando pare!
O verde ao alto, agora só para automóveis.
O pedestre parece ter vontade de encontrar uma brecha e ultrapassar.
Mas olha ao seu redor e percebe o grande número de pessoas
que também espera o momento certo de tomar seu rumo.
Aperta as mãos, procurando serenidade.
Aguarda com olhar frio, imóvel.
O sinal em forma de mão é verde, indica caminho aberto.

Carros esbarram, tomando parte do espaço dos pedestres.
Todos avançam. Há pressa, o tempo urge.
A faixa agora é coberta de pés apressados, carentes, exaustos.
Num piscar de olhos: êxodo, travessia a pé enxuto...

17 outubro 2008

pássaro

Pássaro na gaiola. Sempre inquieto, voando para lá, para cá, e ainda canta. Mas será canto mesmo? Não seria choro? Dizem que é canto. Mas pode ser grito de desespero ou oração de revolta. Talvez cante pela tristeza presente. Talvez reze pela paz roubada. Quem sabe chore pela solidão do amor ausente. Sua música ou choro podem ser formas de esquecer o tempo, fingimento da “dor que deveras sente”.
Seu canto ou choro podem ser lembrança ou saudade de quando voava livremente, rodeado de alegria, cortando nuvens, pegando carona no vento, pousando em frondosas e belas árvores, onde saboreava ricas e fartas iguarias. Era pássaro feliz, no paraíso.
Se é choro ou canto... sabe-se lá. Podem ser os dois ou nenhum. Seu canto-choro é misto de alegria e tristeza. Choro dolorido, angustiado por assistir à perda do sentido da vida, por perceber tantos outros pássaros condenados a uma existência de luta, de sujeição: na escuridão das noites ou nas labutas de sol a sol.
Ali está o pássaro na gaiola, inquieto. Quem o prendeu? Que mal cometeu? Que delito, crime, erro praticou? Foi desejo, paixão, inocência, comodismo ou o quê? Dinheiro, moda, fanatismo? Ódio, ganância, avareza? Ideologia, partido, gangue, quadrilha, tráfico? Droga proibida, droga legal? Qual a pílula? Qual a marca, o rótulo? Quem construiu gaiolas? Quem criou essas prisões de grades invisíveis?
Pássaro pergunta e não encontra resposta. Sabe, porém, que o “mal” tem outros nomes e nem cheira a enxofre. Sabe dos lucros dos bancos, da falência de outros: mercado nervoso. Sabe também que a cotação do dólar é a notícia do dia, a queda das bolsas igualmente. E sabe ainda que o assunto da hora é aquecimento global: culpa de todos e de ninguém. Sabe, sobretudo, que a grana é o que conta. A vantagem chama-se dinheiro, muito. Este, sim, vale mais que qualquer farrapo de pássaro. Por ele se briga e, se preciso, mata-se. E, para completar sua tristeza, sabe que há pouco interesse pelo pássaro na gaiola. Mas ele insiste em ser pássaro. Essa é sua causa. Canta e chora porque a vida é negociada. E o que mais dói é a falsa ideia de progresso que adormece as multidões em prisões invisíveis.

16 outubro 2008

tez

as linhas
compêndios de histórias
os riscos profundos
afundam na face
face que um dia
será terra
hoje o ser em guerra
o sentido
é o devir

14 outubro 2008

genérico

o dono do saber, o iluminado
chama o aluno, sem luz
o primeiro fala
o segundo escuta
estrutura medieval de ensino
com todo respeito a idade média
sua nota é 2
se você participou de todas as aulas
não importa, importa a nota
se você levantou cedo
pegou chuva e busão, isso não conta
você faltou aula, chegou atrasado
fez intervalo longo, de propósito
fez a prova, foi bem
inteligente, mente brilhante
tá, mas a sua nota mesmo é 2
você sabe coisa nenhuma
genérico

07 outubro 2008

natalidade

o céu estava nu
e o sol do sertão
feito bola de fogo
saía por detrás do canivial
mamãe sentia dores
dor de parto
mais um viria ao mundo
mais um
bem que tentou abortar
mas o fruto superou a droga
a erva amarga da caatinga
causou nenhum efeito
sim
completava nove meses
"hoje este moleque nasce"
a vida estava tão pesada
a barriga também
o calor, o suor colava
o corpo todo estremecia
mas não parou o trabalho
suas mãos de oleira
moldava a matéria bruta
panelas, alguidar, potes
a dor virava arte
chama a parteira
meio-dia
ouve-se um grito
é o assombro de uma nova vida
que abre os olhos e estranha
a luminosidade sertaneja
estranha o mundo
nasci
obrigado, mamãe

04 outubro 2008

alma

conversou
defendendo os direitos dos animais
os companheiros
acharam estranho defender "bichos"
o fato é que
não temos o direito
de causar sofrimento a ninguém
tampouco aos bichinhos
a vida deve ser protegida
em toda a sua plenitude
nada de sofrimento
nada de ratinho cobaía
nada de cachorrinhos tristes
nada de coelhinhos testando coméstico
eles e nós somos parte da rede da vida
não somos os melhores
não temos o direito
de provocar o sofrimento
em quem quer que seja
amém

28 setembro 2008

amplexo

sabe
é verdade o que você diz
o melhor é nunca deixar que
o sentimento mais supremo
o amor
seja dominado
amar é ser livre
só na liberdade o amor
é verdadeiramente amor
você tem razão
a prisão é humilhante
você poderia me abraçar?

24 setembro 2008

entranhas

num ímpeto saiu da sala
de aula vaga, fria, sem vida
foi lá fora abraçar o dia
de beleza espantosa
o ímpeto deve ter sido
pelo viço da primavera
sol, céu azul
e um horizonte aberto
pra gente se deixar engolir por ele...

19 setembro 2008

frases soltas

tentação fugaz
nostalgia da lama
alegria por ser diferente
alto da vertigem
vontade de outro
generosidade perdurária
zonas profundas
atar as extremidades
a morte é séria

12 setembro 2008

matraga

não se pode achar normal
o número de “bandidos”
que a polícia mata
nos morros e nas favelas
e até vibrar com isso!
E do lado de cá
“as pessoas de bem”
fazerem julgamento
na comodidade de seus sofás,
com o controle remoto à mão,
tendo à frente
uma TV de tela plana
do último modelo.
Difícil é perceber que,
além dos planos de câmeras
que hipnotizam a multidão,
há do lado de lá
pessoas que sonham,
têm família
e muita vontade
de continuar vivendo...

09 setembro 2008

alternativas

Passa fome mas não passa
a vontade de assistir
a novela e o enlatado
coisa pra chorar e rir
as tripas roncam de fome
a consciência é devir

Se correr o bicho pega
se ficar o bicho come
é um diabo sem chifres
que não sacia a fome
e aos fracos ele chuta
e dar socos no abdome

Sabemos sem rodeios
que a mídia manda em tudo
influencia a todos
a política sobretudo
tá casada com o sistema
e às vezes nos deixa mudo

Diante de seu poderio
somos quase impotentes
veja bem: existe um quase
e isso nos deixa contentes
há sinal que há caminhos
pra nadar conta a corrente

Nadar contra a corrente
é a mídia alternativa
é uma aventura sincera
uma ação criativa
mudando o que está normal
de uma forma produtiva

A mídia alternativa
é possibilidade de opção
é abrir brechas no império
do latifúndio da comunicação
criando espaços pra todos
ter acesso à informação

Alternativo é se opor
ao o já estabelecido
se for pra repetir fórmulas
a coisa perde o sentido
a gente se esvai na dor
e o povo abafa o gemido

Alternativo é uma forma
frente as artimanhas do poder
implica série de idéias
e prática para vencer
transformar o social
sem ter medo de perder

Pode ser um jornalzinho
feito no fundo do quintal
ou um site com conteúdo
e um tom profissional
pois alternativo não é
qualquer ‘tipinho’ de jornal

Se o programa de rádio
e o da televisão
ou mesmo aquele site
se propõe outra visão
mostrando o outro lado
alternativos serão


Economia e política
regem a comunicação
esse é o binômio que manda
e filtra a informação
é o jogo do poder
que pra ninguém dar perdão

Por isso a importância
da comunicação alternativa
para transformar os receptores
em críticos e na ativa
a ter opinião própria
e não escorregar na saliva

A comunicação alternativa
É transformação social
Busca mudança qualitativa
No exercício do poder total
É um forma de contradizer
A hegemonia comunicacional

É sempre tempo de alternativas
as idéias estão aos borbotões
talvez falte atitudes ousadas
menos discursos e mais ações
pode ser um caminho difícil
mas de grandes proporções....

05 setembro 2008

solo

não permito invasão
em minha vida
ao entrares
por favor
tire as sandálias
pois o solo em que vais pisar
é sagrado...

04 setembro 2008

hylé

despertou
deixou a liberdade dormindo
e saiu anônimo pelo mundo a fora...

29 agosto 2008

apoio

aviva a chama
que ainda fumega
assopra que pega

olha em volta
aspira o cheiro
odor da revolta

abana forte
há brasa na cinza
não dê azo à morte

abraça a vida
canta o mantra
diga amor

beba a existência...

28 agosto 2008

oceano

cedo te amei
tarde percebeste
passei fome, sede
gosto amargo
boca sem saliva
peito em brasa
morri e ressuscitei
quando me notaste
já não era eu
noutro oceano
naufraguei

17 agosto 2008

intermitente

a lua me chama
não posso
eclipse lá em cima
e em mim
ao menos a saliva
molhando o céu
da boca
ardente
e cada dente
deseja morder
o instante fugaz
e o corpo quente
em brasa
geme paz

08 agosto 2008

8.8.08

fora era dia
dentro, noite
melancolia
tudo por pensar no tempo
qual esfinge
que traga, devora
faz rugas
atrofia

04 agosto 2008

nota

é do tipo de homem que chora
de alegria, de tristeza, de saudade
de não sabe de que

e porque
em frente a tela
na solidão do espelho
nas horas que pedem colo
nas travessias
nos vazios do ser

02 agosto 2008

desabafo

triste pela ignorância
com sede de saber
vontade de poder
e na crise por não ser
por não ser profundo
por estar em pedaço
por não ter parte no mundo
por experimentar o fracasso

01 agosto 2008

estrangeiro

nasceu na margem
sem direção certa
sempre estrangeiro
perdido
em terra deserta...
Adri diz:
...e então acordou numa cama
que nunca seria sua!!!
Ira diz:
levantou sem noção
correu nu pela rua
despovoada e cinza
tudo doía
o corpo tremia
a vida se esvaía
o começo ou o fim
seria
e desejou voltar ao útero

31 julho 2008

de angustia e sofreguidão

a pessoa contou sua dor
disse que às vezes chora
chora sem entender o porquê
chora pelo sem sentido
pelo vazio da vida
disse já ter conseguido
quase tudo que sonhara
carro, casa, emprego...
mas não tem amor
não sabe o que é amar
beija com frequência
e o faz sem pudor
nas baladas perde a conta
de quantas bocas beijou

12 julho 2008

ímpeto

dentro, bem no íntimo
a vontade de chegar lá
a voz interior grita
vai ter de esperar
é que são tantas as curvas
da história, de si mesmo
impostas, criadas ou necessárias
por enquanto apenas teimosia
buscando nas brechas da vida
fragmentos de alegria

09 julho 2008

caule


o limite entre a terra e o céu
às vezes não passa
de ilusão de ótica
donde menos se espera
pode brotar flores
a beleza é surpresa
nem sempre se mostra
galho seco esconde segredo
não se ostenta
nem impõe medo
não é tão óbvio
(foto tirada em 8.7.08 - meio-dia ensolado de uma terça-feira comum...)

agonia

sem forças pra seguir
nas mãos pesada pedra
no coração um furo
foi bicada de corvo
pros outros
não passa d'um estorvo
sofre feito presa
esperando o fim

27 junho 2008

verdes molhados

belos e tristes
eram seu olhos
não tinham nada
de ressaca
eram precoces
um texto vivo
de um corpo jovem
vendido e usado
mucho quando devia florir
mocidade amputada
pele cheirando a dor
humano objeto
olhinhos molhados
qual vaga-lume triste
numa noite escura
sem excitação
apenas dois fachos
de uma luz verde
sem esperança

19 junho 2008

berro

a gente cansa
dos moralismos
das repressões
a gente cansa
do tudo certo
das receitas de bolo
cansa de ser tolo
de obedecer
de crescer para o futuro
e fechar os olhos para o presente
a gente cansa de fingir-se contente
cansa de calcular os detalhes antes de agir
cansa de mentir
de ser reflexo
dos complexos
a gente cansa de alguns
de todos, cansa dos jejuns
forçados, criados
surpéfluos

13 junho 2008

maçante

dia nulo
tudo chulo
idéia vaga
feito praga
ou carrapato
pegajoso, chato
hoje, um hiato
fenda interna
no escuro e sem laterna

12 junho 2008

lamento

o dia caía
o crepúsculo doía
sua cor
era dor
de ser só
de sentir
e se ferir
de gostar
e não expressar
de amar torto
de estar morto
de não ser

11 junho 2008

noturno

acorda em meio a noite
ofegante
é um verso
mendicante
nasce na escuridão
de repente
são estrofes
rimadas ou não
são vivas

06 junho 2008

escuro

a face colada ao travesseiro
pele quente
cabeça a mil
os olhos fechados
procuram o sentido
nas travessias escuras
do castelo interior
há temor

26 maio 2008

delírio

sentiu a pequenez
no ninho, o endez
olhou pro céu, imenso
deitou na grama, tenso
viu nuvens finas, leves
pensamentos breves
fechou os olhos pra ver mais
alma só, pede paz
virou fios no ar
gota de lágrima
pra lavar a dor
de ser

24 maio 2008

imenso

a taça, a praça
não, nada em comum
a sala, a mala
sim, era adeus
nó na garganta

uma vala
a porta se abriu
o ventou entrou
você sumiu
acabou

22 maio 2008

canudos

vítimas do embelezamento
da limpeza social
são expulsos pela polícia
empurrados para bem longe
está em jogo o capital
as lágrimas das mães
mistruram-se à neblina fria
cortante
nazistas em ação
holocaustos em questão
cotidianamente
na alemanha, não
aqui
contra judeu, não
contra pobres
a constituição é só papel
não, é também digital
direito humano é para poucos
pobre nunca deu ibope
dá voto

21 maio 2008

maio

folhas voando
arrastando-se
o tempo, o vento
outono

17 maio 2008

a estrela poente

d'alva parecia cair
soprada pela brisa do aracati
no coração dos dois
o mesmo sentir
não havia como mentir
a lua foi testemunha
do devir

ovo

no meio do caminho
havia um ovo
branquinho e jogado
de galinha da angola
de capote
tão frágil e forte
paradoxo da vida
por pouco seria pisoteado
pegou-o cuidadosamente
entre as mãos
liso e frio e ainda quente
o ovo, a vida e nós
são tantos nós

11 maio 2008

fado

com a palavra engasgada
lingua presa e nó na garganta
implora o direito ao grito
mas gritar pra quê pra quem
se ouvidos são surdos
e o mundo é um vácou

17 abril 2008

sem terra sem teto

lá na sala grande
aquela conversa alta
era o coronel ezequiel
nos expulsando de casa
eu nem tinha noção
do que se passava
somente mais tarde entendi
que os homens são cruéis
papai, mamãe, meus irmãos e irmãs
derramaram suor, se enfadaram
cansaram, deram o sangue
trabalhando nas terras
do velho ezequiel
de graça, sem direito
nenhum
e naquele belo dia
sim, o dia tava lindo
lá fora
da porta para o nascente
era lindo o horizonte
mas
sem aviso prévio
ele chega de trage azul
e nos expulsa
da casa grande do alto
papai mamãe choraram
de raiva desgosto tristeza pobreza

30 março 2008

escasso

naquele dia acordou oco
noutro, levantou choco
em ambos olhos foscos
e os dois ouvidos moucos

21 março 2008

fim

as estrelas irão se apagar
a lua perderá o brilho
a humanidade perecerá
outros seres surgirão
o mundo foi e será sem nós

17 março 2008

disponível

tou com um montão
de coisas pra fazer
mas as coisas passam
e eu também
passarei

15 março 2008

amêndoa

seus olhos pedem
quais olhinhos de cabrita
aflita
seus olhos
duas amêndoas
e vida sem fama
sem loas
seus olhos pedem
o fim da dor
pede paz
pede amor

14 março 2008

dia da poesia

14 de março
dia nacional
da poesia
que alegria
aniversário de
Castro Alves
da bahia
escravo da palavra
novo mundo cria

***
poesia, escape
trilha da liberdade
ponte corda bamba
forró mpb samba
cantoria cordel
cantor menestrel
novo velho muamba
popular erudito
interdito
clássico brega
tri-legal arre-égua
poesia seiva
seja nossa companhia
todo dia
o pão nosso
de beleza
agora amém

12 março 2008

lasca de vida

engoliu
queria mais
saiu
levou o gosto
na boca
e como é de carne
o sangue correu
na veia
e a tinta escreveu
lá dentro

11 março 2008

reza

em nome do deus
ternura
pai e mãe
amor pelas criaturas
em nome do deus

dos feridos
dos perdidos
dos desgraçados
em nome do deus
de todas as cores
de todas as dores
em nome da cruz
contra toda prepotência
em nome de jesus
em nome da pessoa humana
em nome da natureza
tende piedade de nós
amém ainda não

05 março 2008

patativa

a verdadeira arte
não pretende ser
nem popular
nem erudita
a verdadeira arte
é simplesmente arte´
PATATIVA é arte
***
se fosse vivo
o poeta pássaro
faria 99 anos hoje
mas está eternizado
em sua poética

03 março 2008

estalo

ainda estava escuro
silenciosa manhã dominical
de repente a idéia
qual um anjo enviado
deu o recado e partiu
lá fora uma brisa
caia leve e deitava
na grama
germinava a terra
aqui dentro
a idéia germinava
outros horizontes
março começou
vislumbrando 2009

02 março 2008

fúria

segue clandestino
desafia o destino
homem-menino
deixa que vejam a casca
apenas, somente a casca
já que é o que querem ver
mas não abandona o interior
poço profundo
escuro e tão fundo
sabem lá o que é a crueza de ser
de ser sem ser
para parecer
se querem assim
deixa ser
mas homem-menino
seja hoje

umbilical

desde o dia
em que saiu
pela primeira vez
de casa
com aquela mala
no saco
sente-se estrangeiro
acostuma-se
mas há sempre
uma sensação
desnexa

26 fevereiro 2008

mofumbo

não havia banheiro
a salvação era a moita
aquela de mofumbo
tava tão fraco
não podia descer a grota
agarrou-se nos cipós
e a luz dos olhos
qual bateria da tevê em preto e branco
começou a secar
levado pela mãe e pela irmã
acordou ouvindo choro
e o ruido dos próprios ouvidos
morrer não é difícil