28 novembro 2011

barco

se aqui choro ou rio
se grito ou silencio
ou me faço tagarela
se contemplo da janela
o infinito fora de mim
é que digo não e sim
misturo tudo sem pureza
me deságuo na lâmina fria
espelho meu em correnteza
não sou científico, sou letra viva
texto anônimo, sem paga autoral
sou a penitência a espera da absolvição
sou verso livre, noutra preso nalguma rima
rica ou pobre
tateio na extinção
nos olhos, paixão
sentimento no coração
se naufragar a barca da salvação
há de me resgatar...


19 novembro 2011

rio

há necessidade de ouvir
o que não é dito
 há olhares e expressões límpidas
 buscando o escondido
jovens ou velhos querendo água de beber
existência que se escorre
rio do viver...

17 novembro 2011

em três tempos

o ser e o gosto do céu na boca
alto e amplo em sua degustabilidade
ambíguo ser mistura-se ao inferno
pigarro, garganta roca
complexo e plural
é purgatório ou vontade de amor...

13 novembro 2011

além do tempo

ouviu o barulho na porta
talvez o vento, ninguém 
o tic-tac hora morta
trazia saudade de alguém


no peito sentimento deserto
lá fora a avenida acordou
aqui dentro sou eu que desperto
do sono ainda zonzo estou


o espelho é imagem torta
nos olhos pureza de infância
na face a idade riscou
rugas, caminhos, distância


a imagem não sou eu, falou
voz vinda de fora
voz rouca, voz morta


a água lavou
abri a cortina
dia azul acordou
sai, sem medo da sina...

03 novembro 2011

tecido

sabe do gosto salobro
de se dar em dobro
de ser feito de bobo
sabe do prazo cumprido
do tempo perdido
e mais do que isso
sabe do sentido
do choro engolido
da saliva retida
do nó na garganta
da hora manca
e do tempo perdido
sabe de algumas coisas
e desconfia de tantas
caras fingidas de santas
sabe do rio
deflui
nas curvas
da vida
em fios...

26 outubro 2011

ausência

quando você partiu
a noite em mim caiu
fiquei sem chão


a sombra densa
desceu sem fios
e a ofensa muda
me deu calafrios


nada nas mãos
eu todo vazio


na garganta o nó
e no peito dó
do sol sem adeus


então abracei os dedos meus
trinquei os dentes nos seus
e me fiz de ausente


de lá para cá
tenho noites looongas
me falta o sono...

18 outubro 2011

reza das oito

feito Bartimeu
filho de Timeu
fico aqui nas margens
não calo, grito
me mandam calar
não calo
tem compaixão de mim
quero ver novamente...

15 outubro 2011

retrato na janela

bem na hora em que a solidão é companheira
você me visita
olha pelo vidro da janela
faz cara de carente
sonolento, cochila


contemplo
como um retrato
uma pintura


mastigo o pão
que alguém amassou
e você some...

07 outubro 2011

nascer outubro

Aquela quinta-feira seria apenas um dia a mais. Mesma rotina de suor, cansaço. Sem tempo para repouso. Seria mais um dia besta, sem graça, insosso. Mas ela sabia que algo diferente se daria naquele dia de outubro. Seu corpo comunicava isso.

Levantou cedinho, de madrugada. Barriga pelas goelas. Ascendeu a lamparina que soltou faíscas de fogo e bolinhas de carvão. Começou a luta. Queria deixar tudo arrumadinho. Preparou café, chá. A meninada tinha que tomar chá para não adoecer. Ainda em jejum todos ingeriam o chazinho feito com tanto carinho. Os pés de mato no terreiro de casa não tinham sossego. A sabedoria de mãe intuía quais ervas preveniam de vermes, gripes e outros males.

Tempos difíceis aqueles. Seca e precisão imperavam. Este menino vai nascer logo agora. Ah, tem nada não. Deus dá um jeito. A produção de louça precisa ser dobrada. Este resguardo vai tomar muito tempo. Nossa senhora do Bom Parto me ajude.

Mamãe preparou o barro e trabalhou no seu ofício de louceira (oleira não fazia parte do seu vocabulário) até quando pode. Fez panelas, pratos, pãozeiras, quartinhas, alguidares...
O sol subia feito uma bola de fogo. O suor banhava sua face. Mamãe é linda. A dor tornava-se insuportável. Dor de parto.
Antonio vai chamar a parteira. Espalha os meninos aí pela vizinhança. Corre. Esse menino vai nascer e não demora.
Sem gritos, nem alaridos. Sofrendo, concentrada, ali está mamãe a me esperar. Mãe Chiquinha, a parteira, a mãe solidária que pegou a todos nós, encontra-se ali com mamãe. Dando força, apoio, instrução. Acompanhando o parto. Cortou meu cordão umbilical.
Nasci naquele dia claro de céu azul e horizonte trêmulo. Meio-dia. Sol quente, tremendo à vista. Nasci cheirando a barro. Massapé. Sangue e vida. Achei o mundo feio. Senti dor e medo. Alarmei bem alto. Me consolei no peito de mamãe. Fui enrolado em cueiros de muitos usos. Bem surrados. Já utilizados por meus irmãos e irmãs. Tínhamos tudo em comum. Estavam tão limpinhos aqueles panos. Quentinhos. Engomados a ferro de brasa. Deitou-me numa rede pequenina, armada num cantinho do quarto de meus pais.
Não fui nenhuma surpresa. Lá em casa nascia um ou uma quase todo ano. No entanto, todos estavam felizes com minha chegada. Todos queriam me ver. A vizinhança não parava de entrar no quarto. Estava tão quente ali. Tempo abafado. Nossa, é a cara do cumpadi Toim. Mais feliz estava mamãe. Meu filho nasceu bem. Graças a Deus! 
Mamãe me quis.

21 setembro 2011

aquela música


quando aquela música toca
as paredes do quarto se contorcem
pulo a janela e monto na calda do vento

as asas invisíveis fazem voo rasante
e o corpo da vida 
se liquefaz no céu de minha boca

fecho os olhos
o som pungente da música
penetra meus poros, meus ossos

enquanto o corpo se  dissolve
procuro as partes de mim mesmo...

19 setembro 2011

dentro da gente

quando os olhos se avermelharam
e a febre lhe doía o corpo todo
sentiu medo com lágrimas

qual uma criança 
chorou alto

alto dentro de si 
"eu quero minha mãe"
era a única prece que conseguia fazer...


16 setembro 2011

armadilha

o vento triste e rasteiro
chegou como quem não quer nada
falsa modéstia
ele sempre quer
pois incorporou em mim
sem pedir licença
senti um frio nos ossos
outro sinal não tive
apenas o medo
alguns calafrios
e insônia na calada da noite
o vento nunca é imparcial
eu que fui ingênuo...

10 setembro 2011

desenho de nomes

da janela desenhava nuvens
e desenhava nomes também
com letrinhas-garranchos
alcançava o céu assim


o céu azul lá no alto
era um infinito tão profundo que doía na alma
lá dentro
bem no fundo


um dia teve de abandonar a imaginação
e por sina
teve de enfrentar a crueldade real da vida


o céu era tão largo
tão azul
tão intenso
mas a vida era tão pequena
se resumia àquilo ali
um quintalzinho


nos olhos grandes e da cor da dor
da cor da expressão de todas as lágrimas
estavam secos
tal seu ventre depois de dá à luz a tantos filhos


e no fim de tudo
apenas um caixãozinho no meio da pequena sala...


07 setembro 2011

jornal de monturo

ainda bem pequeno, nem lembro que idade tinha
lembro apenas que assim era
e lembrança de infância a gente nunca esquece
tempos atrás me disse um senhor de oitenta e lá vai mais anos, o querido frei pascoal,
que na velhice se volta a sonhar as lembranças desse tempo indelével...
bem, mas não estou velho ainda...
pois hoje me peguei a pensar de como li jornal pela primeira vez:
eu li jornal de monturo 
jornal muitos dias vencidos, até meses e anos passados
para mim não havia passado, tudo aquilo era presente
jornal de monturo eram aqueles que meu irmão levava enrolados nas pedras de gelo
uma caixa de isopor cheia de pedras de gelos para conservar o peixe
nós não tínhamos eletricidade...
eu me sentava na sombra de alguma moita ali no terreiro de casa
e soletrava as palavras
havia palavras bem difíceis, mas eu não tinha a pretensão de entender nada
eu queria apenas estar perto das palavras...

31 agosto 2011

o vento levando agosto

os ipês estão nus 
sua beleza  fugaz
foi levada pelo vento 
que hoje veio sem paz
e levou as últimas flores

ipês são amores

desta larga janela
vejo duas palmeiras 
as palmas de ambas se tocam
se acariciam
suas copas querem alcançar o céu

meu pensamento foge
longe
me transporto para o alto
lá no cume do edifício hospitalar 
um urubu agoura
o preto e o azul se mesclam

me torno andorinha e voo entre outras duas
bem alto
depois me despeno todo
caio  

o vento sopra
ele vai levando agosto...

26 agosto 2011

sal

a lágrima escorria feito um  pequenino regato
fez leves curvas
foi entrando discretamente no canto da boca
misturou-se à saliva
a dor era salgada...

19 agosto 2011

silêncio

no princípio era o silêncio 
e do silêncio nasceu a palavra
e tudo o que existe...

08 agosto 2011

entre a ausência e a plenitude

como invocar tua presença
se estás em toda parte
e preenches todos os espaços de minha existência?

06 agosto 2011

cadeado

há um espaço em que ninguém pode entrar
o lugar todo meu, somente meu
pelas aparências ninguém me conhece
a superficialidade é superfluidade
é apenas superfície


lá no profundo
este sempre menino chora, esperneia
se apaixona e sofre
nem o lume frio do espelho
penetra o meu poço fundo...

28 julho 2011

imagem no escuro

essa inquietude vigilante
a face no travesseiro
e lá do profundo da alma um poema nascendo
possessão, entidade poética
construo uma aldeia imaginária...

26 julho 2011

sem rodeios

se às vezes sou trágico
se exagero
se faço o mal que não quero
se choro na frente da tela
se gosto de olhar da janela
se torpedo poemas
se não resolvo os dilemas
se insisto em querer
o que não deveria ter
é que sou feito do avesso
contramão de mim mesmo
sem data, sem vitrina, nem preço
sou sem começo e o meu fim não conheço...

25 julho 2011

pedaços

aquela saudade do que nunca existiu
dói tanto, essa dor sem nome
lá no fundo a voz sem fala azucrina a alma


o domingo some entre o cinza
e eu sinto o peito em vácuo
bastaria um "oi"
ou uma migalhinha de ternura
seus abraços


ponho a mão no peito
fecho os olhos lentamente
escorrem lágrimas mornas e salobras
eu mesmo me escorro, me liquefaço
me viro em pedaços...

17 julho 2011

esfinge

vomitou dormindo
e nunca mais acordou
talvez haja morte sem dor


nem se mexeu


a sujeira interna escorreu
da boca ao ventre
descendo ao púbis


talvez tenha expelido
o gosto amargo do não-ser
ou mesmo resquícios de algum amor doído


as marcas ficaram na brancura do travesseiro
e na alvura do lençol
o dia veio e trouxe o sol...

08 julho 2011

travessia

as carnes secas e frias
o jeans surrado vestindo as pernas magras
o peito nu desprovido de pudor 
os lábios rachados e a língua faminta
denunciavam um profundo e raso viver
vidinha em gotas, como aquela garoa que caia


os olhos lânguidos quase em lágrimas
diziam de um dor sem nome
preferiu virar a cara e seguir
sumiu vereda adentro 
naquele caminho sem volta
fez-se fumaça em meio ao nada...

07 junho 2011

configuração

mostrou o rosto do amor
e não foi só palavras
foi corpo de carne
toque, olhar, cumplicidade 
não fugiu na crise, nem da dor
soube olhar além das aparências
sentiu o sopro, o hálito da vida
respiração com respiração
fez-se uma mesma alma
acessou a parte mais íntima
o lugar mais sagrado
e sempre recordou a palavra dada...

06 junho 2011

bicadas e beijos

Alguns pombos vêm frequentemente ao quintal e costumam aterrissar próximo ao canil do Fedro, o cachorro da casa. Eles gostam de comer as sobras da ração do cão pastor. Vez e outra o Fedro avança com gana de despenar um deles. As aves, no entanto, se afastam e voltam quando têm chance de bicar migalhas. Para além das revoadas e das tentativas do cão de capturá-las, dia desses chamou-me à atenção um gesto de carícia entre dois pombos, no telhado. As bicadas não pareciam de brigas. Pareciam beijos. E beijo apaixonados. Havia certa reciprocidade entre ambos. Percebiam-se até certo arrepio nas penas quando das leves bicadas, bico no bico e o sobe e desce de cabeças, num movimento frenético. Dava a impressão de um convencimento para algo a mais...

02 junho 2011

sensação

a alegria é remédio
seja qual for o intermédio
mas o dia tinha um sinal nas nuvens
nada era zen na atmosfera
tirou o celular do bolso
e sentiu uma dorzinha no osso
espinha dorsal onde a alma navega
falou pra si mesmo que não se entrega
vagou o olhar por um instante sem tempo
ligo mais tarde, pensou
o anjo tocou a trombeta
minha intuição não me engana, constatou
a alegria vai atrasar um pouquinho
seguiu pelo caminho de todo dia....

30 maio 2011

indelével

uma marca indelével grudou em mim
foi quando a fumaça do sacrifício ascendeu
então caí por terra e prostrei-me aos pés do eterno
algo em mim nasceu e morreu
houve contraste entre a rede e o terno

o ritual me transportou, me mudou
entreguei-me

ao voltar à objetividade
vi que o amor de minha vida tremia

sua pele tão linda, macia, mamãe
morena qual iracema

seus olhos de amêndoas
diziam que nada entendiam
ou entendiam tudo

teria sido overdose de emoção?
naquele dia temi perder o amor que me gerou

doravante
penso no que um amigo falou
- o que você escreve precisa de aviso prévio... 

29 maio 2011

cálido

sentia o cheiro e o gosto do amor
ainda vivo na boca

no espelho
um olho vermelho
e a alma oca
garganta rouca
razão louca

o desejo sem beijo
o amor líquido pelo ralo
vassalagem do tempo

não há vírgula, nem ponto
sem momento pra guardar
apenas o chiado do chicote invisível no ar
e a consciência sem brecha pra escapar...

23 maio 2011

segunda

a mão tenta segurar a dor
suavente acaricia a testa
o cérebro balança
as pálpebras se irritam
e os olhos resistem
no horizonte telas dos mundos
real e virtual

21 maio 2011

orifício

a tarde cai fria
o sol de sábado
entra pela janela em duas réstias
como dois olhos me mirando
ouço a rádio com dial de outro mundo
e a terra em mim girando


no peito pulsações acres
o céu azul se despede
e dói em mim
é a saudade do que nem chegou a ser


em breve a noite chega
e as paredes do quarto
serão a única companhia


os dedos que rastejam agora nestas letras
procuram se agarrar no fiapo de sentido
preencher o espaço ressentido...

18 maio 2011

vulcano

meus olhos ardem
de fome
a alma também

o azul do alto
está vazio
nenhum sinal lá no céu

até a lua cheia da manhã escondeu-se detrás da nuvem
aqui embaixo a abelha não encontrou néctar pro seu mel...


06 maio 2011

punção

há dias em que a gente quer tocar o céu
lá onde o azul ou o cinza nos levam
é quando sentimos que não cabemos dentro de nós mesmos
aí gostaríamos de conseguir uma passagem para lugar nenhum
ou o lugar mais distante
ocorre que não há como ir


feito pássaro engaiolado olhamos pelas frechas das grades
por vezes, grades invisíveis
batemos as asas e depois nos acalmamos
e com olhar de quem pede alguma coisa
de quem pede compaixão
ou tão-somente pede um taco de carinho...


então curvamos o bico
engolimos as migalhas jogadas
e com a saliva que nos resta
pigarreamos a angústia...

04 maio 2011

pirilampo

eu estava totalmente dentro de mim
quando sua voz chegou aos meus ouvidos
foi como o vento aracati 
soprando nas noites quentes do sertão
me arrepiei
e a quentura desceu cabeça aos pés
quis me benzer
mas senti ser um espírito bom
me aquietei feito ovelha mansa
foi feitiço
eu sei...

28 abril 2011

êxodo

o anjo exterminador passou
e sangrou os portais dos escolhidos
no meio da noite muitos gemidos
ouviu-se também gritos e choros
era a multidão dos perdidos

“mulher, por que choras?”

o jardim estava sem flores
revelando espaço de dores
não era o éden, era a falta
era o vazio profundo

no afã de salvação
toquei o anjo luminoso

“não me retenhas!”

abri os olhos
ouvi vozes inefáveis
depois gritei desesperado
ressuscita-me!

ouvi apenas o eco de minha voz
levantei e olhei a rua pela janela
estava tudo igual...

22 abril 2011

cruz

os dedos em persignação  
tocam a fronte e o peito
em gesto perfeito


na rua
o humano prostrado
depois terra nua
engolido pela angústia crua


pode ser fome
sede, desprezo ou droga
não tem nome
nem igreja, nem sinagoga


tem cor, tem sujeira e dor
nunca foi visto, nem quisto
os colegas de cheiro
o chamam de cristo...

19 abril 2011

meditação

ele chora
quando um amigo vai embora
tem brilho no olhar
porque em tudo sabe amar
ele é poderoso
porque tem o poder do amor 
e não o amor ao poder
tem os pés feridos
e se deixa beijar por pecadora
e sente nas entranhas
todas as dores humanas
do alto da cruz
abraça a humanidade
sangue e água empapam a terra
um grito ecoa no vazio da dor
angústia e não desespero
por que me abandonaste...?

10 abril 2011

só de mim

quando não escrevo
ando meio morto
oco...

04 abril 2011

invenção

não me cobre coerência
meu verso não é conceito
digo o que sinto no peito
sem grito na consciência

invento a realidade
adentro outra existência
dou espaço à reticência
meu time é a simplicidade

não me cobre coerência...

20 março 2011

lunar

quando colei a a face no lume frio
e afiado da lua
senti o beijo que nunca tive
minha alma ficou nua

de repente, como num passe de mágica
fui transportado ao não-lugar, das minhas fantasias reais
pisei o solo de mim mesmo
e arrastado pelos meus desejos
entreguei-me sem resistência...

11 março 2011

exorcismo

se dentro não fosse a fornalha
mas a fornalha é nada
pior foram seus dentes desarticulando a linguagem
e seu dedo em riste ditando ordens confusas


seu mundo é difuso
minha alma estremece
ante seu olhar funesto


às vezes a raiva faísca
mas depois me acalmo
respiro fundo, fico mudo
abro a janela de mim
e faço uma prece ao vento


aí tudo sopra, dissipa-se


amém...

09 março 2011

cinzas

engoli o gosto das cinzas
deixei que os farelos queimados 
e curtidos pelo fogo
escorregassem garganta abaixo
arranhando, arranhando, arranhando


cinzas de mim, fogo de mim e de você


fecho os olhos
e na escuridão de meu poço
vejo seus olhos brilhando
a isso eu chamo graça


graça divina que só sabe amar
e nunca cansa de perdoar


eu que sou cinza e pó...

24 fevereiro 2011

água

água no copo, da fonte
tirada do pote
esperando a sede
água fria, tão boa
doce na boca, na língua
descendo, garganta
rio da gente


água na pele
arrepia, pele nua
poros saciados
riachos da gente


água profunda
marés, força da lua
ondas sagradas, salgadas
três quartos da terra
três quartos de mim
oceano da gente...

23 fevereiro 2011

crepuscular

feito Caim, em fuga
procurando um lugar no mundo
na testa um sinal
sempre diferente, nunca normal
rejeitado, amado em segundo plano
conta o tempo, ano após ano
nuvem sem água
levada pelo vento da angustia, da mágoa
árvore de outono
noturno...

20 fevereiro 2011

ausência

o poema não tem hora marcada pra chegar
e vai embora num estalo
fico aqui na sala
de mim
e pela janela
vejo o céu acenar
o poema não veio
domingo é assim
ele não vem
talvez venha no meio da noite...

18 fevereiro 2011

desarticulação

nada no nada
água, lodaçal
pescoço
veias, sangue
osso
voa sem asas
carvão e brasas
meio tonto
nunca pronto
em pranto
zonzo da noite
anjo torto
vertigem
morto...