07 outubro 2011

nascer outubro

Aquela quinta-feira seria apenas um dia a mais. Mesma rotina de suor, cansaço. Sem tempo para repouso. Seria mais um dia besta, sem graça, insosso. Mas ela sabia que algo diferente se daria naquele dia de outubro. Seu corpo comunicava isso.

Levantou cedinho, de madrugada. Barriga pelas goelas. Ascendeu a lamparina que soltou faíscas de fogo e bolinhas de carvão. Começou a luta. Queria deixar tudo arrumadinho. Preparou café, chá. A meninada tinha que tomar chá para não adoecer. Ainda em jejum todos ingeriam o chazinho feito com tanto carinho. Os pés de mato no terreiro de casa não tinham sossego. A sabedoria de mãe intuía quais ervas preveniam de vermes, gripes e outros males.

Tempos difíceis aqueles. Seca e precisão imperavam. Este menino vai nascer logo agora. Ah, tem nada não. Deus dá um jeito. A produção de louça precisa ser dobrada. Este resguardo vai tomar muito tempo. Nossa senhora do Bom Parto me ajude.

Mamãe preparou o barro e trabalhou no seu ofício de louceira (oleira não fazia parte do seu vocabulário) até quando pode. Fez panelas, pratos, pãozeiras, quartinhas, alguidares...
O sol subia feito uma bola de fogo. O suor banhava sua face. Mamãe é linda. A dor tornava-se insuportável. Dor de parto.
Antonio vai chamar a parteira. Espalha os meninos aí pela vizinhança. Corre. Esse menino vai nascer e não demora.
Sem gritos, nem alaridos. Sofrendo, concentrada, ali está mamãe a me esperar. Mãe Chiquinha, a parteira, a mãe solidária que pegou a todos nós, encontra-se ali com mamãe. Dando força, apoio, instrução. Acompanhando o parto. Cortou meu cordão umbilical.
Nasci naquele dia claro de céu azul e horizonte trêmulo. Meio-dia. Sol quente, tremendo à vista. Nasci cheirando a barro. Massapé. Sangue e vida. Achei o mundo feio. Senti dor e medo. Alarmei bem alto. Me consolei no peito de mamãe. Fui enrolado em cueiros de muitos usos. Bem surrados. Já utilizados por meus irmãos e irmãs. Tínhamos tudo em comum. Estavam tão limpinhos aqueles panos. Quentinhos. Engomados a ferro de brasa. Deitou-me numa rede pequenina, armada num cantinho do quarto de meus pais.
Não fui nenhuma surpresa. Lá em casa nascia um ou uma quase todo ano. No entanto, todos estavam felizes com minha chegada. Todos queriam me ver. A vizinhança não parava de entrar no quarto. Estava tão quente ali. Tempo abafado. Nossa, é a cara do cumpadi Toim. Mais feliz estava mamãe. Meu filho nasceu bem. Graças a Deus! 
Mamãe me quis.