18 outubro 2008

sinal

De longe avistou o semáforo,
o sinal estava livre para pedestre.
Correu, tentando chegar a tempo de ultrapassar a grande avenida.
Não conseguiu. Agora é a vez dos carros passarem.
É grande o movimento de veículos.
Motos passam quase raspando entre os carros.
O pedestre olha com impaciência para o farol em vermelho.
Vermelho vivo, gritando pare!
O verde ao alto, agora só para automóveis.
O pedestre parece ter vontade de encontrar uma brecha e ultrapassar.
Mas olha ao seu redor e percebe o grande número de pessoas
que também espera o momento certo de tomar seu rumo.
Aperta as mãos, procurando serenidade.
Aguarda com olhar frio, imóvel.
O sinal em forma de mão é verde, indica caminho aberto.

Carros esbarram, tomando parte do espaço dos pedestres.
Todos avançam. Há pressa, o tempo urge.
A faixa agora é coberta de pés apressados, carentes, exaustos.
Num piscar de olhos: êxodo, travessia a pé enxuto...

17 outubro 2008

pássaro

Pássaro na gaiola. Sempre inquieto, voando para lá, para cá, e ainda canta. Mas será canto mesmo? Não seria choro? Dizem que é canto. Mas pode ser grito de desespero ou oração de revolta. Talvez cante pela tristeza presente. Talvez reze pela paz roubada. Quem sabe chore pela solidão do amor ausente. Sua música ou choro podem ser formas de esquecer o tempo, fingimento da “dor que deveras sente”.
Seu canto ou choro podem ser lembrança ou saudade de quando voava livremente, rodeado de alegria, cortando nuvens, pegando carona no vento, pousando em frondosas e belas árvores, onde saboreava ricas e fartas iguarias. Era pássaro feliz, no paraíso.
Se é choro ou canto... sabe-se lá. Podem ser os dois ou nenhum. Seu canto-choro é misto de alegria e tristeza. Choro dolorido, angustiado por assistir à perda do sentido da vida, por perceber tantos outros pássaros condenados a uma existência de luta, de sujeição: na escuridão das noites ou nas labutas de sol a sol.
Ali está o pássaro na gaiola, inquieto. Quem o prendeu? Que mal cometeu? Que delito, crime, erro praticou? Foi desejo, paixão, inocência, comodismo ou o quê? Dinheiro, moda, fanatismo? Ódio, ganância, avareza? Ideologia, partido, gangue, quadrilha, tráfico? Droga proibida, droga legal? Qual a pílula? Qual a marca, o rótulo? Quem construiu gaiolas? Quem criou essas prisões de grades invisíveis?
Pássaro pergunta e não encontra resposta. Sabe, porém, que o “mal” tem outros nomes e nem cheira a enxofre. Sabe dos lucros dos bancos, da falência de outros: mercado nervoso. Sabe também que a cotação do dólar é a notícia do dia, a queda das bolsas igualmente. E sabe ainda que o assunto da hora é aquecimento global: culpa de todos e de ninguém. Sabe, sobretudo, que a grana é o que conta. A vantagem chama-se dinheiro, muito. Este, sim, vale mais que qualquer farrapo de pássaro. Por ele se briga e, se preciso, mata-se. E, para completar sua tristeza, sabe que há pouco interesse pelo pássaro na gaiola. Mas ele insiste em ser pássaro. Essa é sua causa. Canta e chora porque a vida é negociada. E o que mais dói é a falsa ideia de progresso que adormece as multidões em prisões invisíveis.

16 outubro 2008

tez

as linhas
compêndios de histórias
os riscos profundos
afundam na face
face que um dia
será terra
hoje o ser em guerra
o sentido
é o devir

14 outubro 2008

genérico

o dono do saber, o iluminado
chama o aluno, sem luz
o primeiro fala
o segundo escuta
estrutura medieval de ensino
com todo respeito a idade média
sua nota é 2
se você participou de todas as aulas
não importa, importa a nota
se você levantou cedo
pegou chuva e busão, isso não conta
você faltou aula, chegou atrasado
fez intervalo longo, de propósito
fez a prova, foi bem
inteligente, mente brilhante
tá, mas a sua nota mesmo é 2
você sabe coisa nenhuma
genérico