06 novembro 2008

prece

oh deus dos desgraçados
dos famintos de pão e de beleza
dos que mendigam amor
por lascívia, precisão ou favor
deus dos que vivem sem certeza
angustiados, ameaçados, em fragmentos
manda um anjo acalmar os tormentos
dos corpos emperdinidos, feridos, apodrecidos
oh deus de todos os credos
até dos ateus
temos medos
ainda há um vale de lágrimas
de lástimas
humanos rastejam
farejam sedentos
detrás de muros, entulhos
embrulhos e lonas
oh, deus
ouvi a prece muda...

05 novembro 2008

visada

a juventude branca
deste pedaço do sul
desfila com tênis caros
debaixo do céu azul
entre duas araucárias
está o sol todo nu...

04 novembro 2008

intimação

se a vida ameaçada for
regras quebrarei
leis transgridirei
o preceito é o amor

02 novembro 2008

memória

Diz-se que certa vez
perguntaram a um famoso poeta
qual frase gostaria que fosse escrita em sua lápide,
ao que ele respondeu:
“Quero que seja escrito: ‘Não estou aqui’”.
O poeta era ateu.
A morte constitui um dos maiores mistérios que nos envolvem.
Ela nos comove e, muitas vezes, nos põe à prova.
Quando criança, a primeira vez que fui a um velório fiquei assustado:
não com a falecida, já idosa, de cujo rosto ainda guardo a lembrança,
mas com os lamentos e prantos dos adultos diante do caixão.
A impressão que ficou foi que a vida daquela senhora terminava ali,
com a morte.
O desespero dos parentes parecia revelar o sentimento de perda para sempre.
Não havia, pelo visto, nenhuma possibilidade de esperança.
A sensação era de tragédia.
É certo que a partida faz chorar.
Aquele que verdadeiramente cultiva os sentimentos sente a dor da ausência,
sobretudo dos próximos e de quem mais ama.
É certo que não há mal em chorar a separação das pessoas queridas.
No entanto, neste dia de memória,
em vez de pensarmos na tragicidade da morte,
poderíamos refletir sobre o que nos falta fazer
para que ninguém seja privado do direito de viver bem no tempo presente.
E, quando chegar nossa hora, saberemos que nosso destino não é a tumba.
“Não estou aqui.”