19 outubro 2008

sunday

o sol chegou
dies dominicus
"dia do Senhor"
bendito seja
veio para iluminar
"a quantos jazem entre as trevas
e na sombra da morte estão sentados
e para dirigir os nossos passos,
guiando-os no caminho da paz."

18 outubro 2008

sinal

De longe avistou o semáforo,
o sinal estava livre para pedestre.
Correu, tentando chegar a tempo de ultrapassar a grande avenida.
Não conseguiu. Agora é a vez dos carros passarem.
É grande o movimento de veículos.
Motos passam quase raspando entre os carros.
O pedestre olha com impaciência para o farol em vermelho.
Vermelho vivo, gritando pare!
O verde ao alto, agora só para automóveis.
O pedestre parece ter vontade de encontrar uma brecha e ultrapassar.
Mas olha ao seu redor e percebe o grande número de pessoas
que também espera o momento certo de tomar seu rumo.
Aperta as mãos, procurando serenidade.
Aguarda com olhar frio, imóvel.
O sinal em forma de mão é verde, indica caminho aberto.

Carros esbarram, tomando parte do espaço dos pedestres.
Todos avançam. Há pressa, o tempo urge.
A faixa agora é coberta de pés apressados, carentes, exaustos.
Num piscar de olhos: êxodo, travessia a pé enxuto...

17 outubro 2008

pássaro

Pássaro na gaiola. Sempre inquieto, voando para lá, para cá, e ainda canta. Mas será canto mesmo? Não seria choro? Dizem que é canto. Mas pode ser grito de desespero ou oração de revolta. Talvez cante pela tristeza presente. Talvez reze pela paz roubada. Quem sabe chore pela solidão do amor ausente. Sua música ou choro podem ser formas de esquecer o tempo, fingimento da “dor que deveras sente”.
Seu canto ou choro podem ser lembrança ou saudade de quando voava livremente, rodeado de alegria, cortando nuvens, pegando carona no vento, pousando em frondosas e belas árvores, onde saboreava ricas e fartas iguarias. Era pássaro feliz, no paraíso.
Se é choro ou canto... sabe-se lá. Podem ser os dois ou nenhum. Seu canto-choro é misto de alegria e tristeza. Choro dolorido, angustiado por assistir à perda do sentido da vida, por perceber tantos outros pássaros condenados a uma existência de luta, de sujeição: na escuridão das noites ou nas labutas de sol a sol.
Ali está o pássaro na gaiola, inquieto. Quem o prendeu? Que mal cometeu? Que delito, crime, erro praticou? Foi desejo, paixão, inocência, comodismo ou o quê? Dinheiro, moda, fanatismo? Ódio, ganância, avareza? Ideologia, partido, gangue, quadrilha, tráfico? Droga proibida, droga legal? Qual a pílula? Qual a marca, o rótulo? Quem construiu gaiolas? Quem criou essas prisões de grades invisíveis?
Pássaro pergunta e não encontra resposta. Sabe, porém, que o “mal” tem outros nomes e nem cheira a enxofre. Sabe dos lucros dos bancos, da falência de outros: mercado nervoso. Sabe também que a cotação do dólar é a notícia do dia, a queda das bolsas igualmente. E sabe ainda que o assunto da hora é aquecimento global: culpa de todos e de ninguém. Sabe, sobretudo, que a grana é o que conta. A vantagem chama-se dinheiro, muito. Este, sim, vale mais que qualquer farrapo de pássaro. Por ele se briga e, se preciso, mata-se. E, para completar sua tristeza, sabe que há pouco interesse pelo pássaro na gaiola. Mas ele insiste em ser pássaro. Essa é sua causa. Canta e chora porque a vida é negociada. E o que mais dói é a falsa ideia de progresso que adormece as multidões em prisões invisíveis.

16 outubro 2008

tez

as linhas
compêndios de histórias
os riscos profundos
afundam na face
face que um dia
será terra
hoje o ser em guerra
o sentido
é o devir

14 outubro 2008

genérico

o dono do saber, o iluminado
chama o aluno, sem luz
o primeiro fala
o segundo escuta
estrutura medieval de ensino
com todo respeito a idade média
sua nota é 2
se você participou de todas as aulas
não importa, importa a nota
se você levantou cedo
pegou chuva e busão, isso não conta
você faltou aula, chegou atrasado
fez intervalo longo, de propósito
fez a prova, foi bem
inteligente, mente brilhante
tá, mas a sua nota mesmo é 2
você sabe coisa nenhuma
genérico

07 outubro 2008

natalidade

o céu estava nu
e o sol do sertão
feito bola de fogo
saía por detrás do canivial
mamãe sentia dores
dor de parto
mais um viria ao mundo
mais um
bem que tentou abortar
mas o fruto superou a droga
a erva amarga da caatinga
causou nenhum efeito
sim
completava nove meses
"hoje este moleque nasce"
a vida estava tão pesada
a barriga também
o calor, o suor colava
o corpo todo estremecia
mas não parou o trabalho
suas mãos de oleira
moldava a matéria bruta
panelas, alguidar, potes
a dor virava arte
chama a parteira
meio-dia
ouve-se um grito
é o assombro de uma nova vida
que abre os olhos e estranha
a luminosidade sertaneja
estranha o mundo
nasci
obrigado, mamãe

04 outubro 2008

alma

conversou
defendendo os direitos dos animais
os companheiros
acharam estranho defender "bichos"
o fato é que
não temos o direito
de causar sofrimento a ninguém
tampouco aos bichinhos
a vida deve ser protegida
em toda a sua plenitude
nada de sofrimento
nada de ratinho cobaía
nada de cachorrinhos tristes
nada de coelhinhos testando coméstico
eles e nós somos parte da rede da vida
não somos os melhores
não temos o direito
de provocar o sofrimento
em quem quer que seja
amém

28 setembro 2008

amplexo

sabe
é verdade o que você diz
o melhor é nunca deixar que
o sentimento mais supremo
o amor
seja dominado
amar é ser livre
só na liberdade o amor
é verdadeiramente amor
você tem razão
a prisão é humilhante
você poderia me abraçar?

24 setembro 2008

entranhas

num ímpeto saiu da sala
de aula vaga, fria, sem vida
foi lá fora abraçar o dia
de beleza espantosa
o ímpeto deve ter sido
pelo viço da primavera
sol, céu azul
e um horizonte aberto
pra gente se deixar engolir por ele...

19 setembro 2008

frases soltas

tentação fugaz
nostalgia da lama
alegria por ser diferente
alto da vertigem
vontade de outro
generosidade perdurária
zonas profundas
atar as extremidades
a morte é séria