14 setembro 2005

Morto Vivo




Morto Vivo

Ira Brito


Na calçada, algo parecido com corpo de gente. Enrolado com uns panos imundos. Move-se. Treme. Está encurvado. O Cobertor é curto. Temperatura baixa. Chão frio. E o corpo? Gelado, com certeza. Avenida movimentada. É o centro símbolo do poder econômico do país. Gente importante passa por ali. Parece até desfile de moda. Também se assemelha a formigueiro assanhado. Os rostos são diversos: lisos, rugados, tristes, assustados, carentes.
Ouve-se os toc-toc de sapatos. Todos têm pressa. Uns vão, outros vêm. Os prédios ostentam poder. Tão altos. Tudo muito limpo. Há torres querendo alcançar os céus. Barulho. Muito barulho. Pessoas saem de sob o chão. É a estação do metrô. O movimento é intenso.
O sol ainda não apareceu. Dia enevoado este. As lojas abrem-se. Suas vitrines são sedutoras. Anúncios, letreiros luminosos. Tudo é movimento. Apesar do dia embaçado a avenida não perde seu brilho.
Semáforos. Carros velozes, indo e vindo. Seus vidros são escuros, não se vê quem lá dentro está. Aqui fora não é diferente. Ninguém se vê. Pelo menos é o que parece. A sensação que se tem é de aglomeração solitária. Tropeçam uns nos outros, no entanto, o clima é de indiferença.
O tempo fica mais escuro. Começa a garoar. Apressam-se os passos. Abrem-se grandes e pequenos guarda-chuvas, todos pretos. O dia segue agitado. E o corpo? Ah, o corpo. Permanece ali. Ninguém deu conta dele. É mais um ser humano que deixa de existir aos olhos da multidão.

3 comentários:

  1. Passando para deixar um ops... e dizer que o blogger tá bem legal...

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Oi Ira, que legal seu blog! Parabéns! Tem conteúdo! Muito legal mesmo! Abraço!

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