01 setembro 2005

Escadas e Ralos





Escadas e Ralos

Por Antonio Iraildo Alves de Brito

Aquela dor inexplicável, afogando desejos, sufocando a alma. Noite escura em pleno dia. Sabe lá o que é morrer de fome em meio à fartura! Vai e vem. Anda, corre. Respira, olha para o infinito, mas a dor não passa. Ao contrário, rasga lá dentro. Mãos trêmulas, olhos em chamas. Boca seca. Desengano.
Sobe todos os lances da escada correndo. Chega ao quarto ofegando. A dor inexplicável invade seu corpo exausto, vazio.
- O que se passa, meu Deus?
São muitos os questionamentos. Respostas quase sempre não as encontra.
No quarto, frente a frente com a solidão. Em constante duelo com seus monstros, sente-se incapaz de enfrentá-los. Cede. Num lapso, vê-se na caverna. Tudo são trevas. O medo apodera-se de seu ser frágil, outrora vigoroso, capaz de segurar um touro pelos chifres. Grita alto. Ouve o eco de sua voz. Triste criatura.
- Não, isso só pode ser pesadelo.
Quer acordar e ver o dia claro e o céu azul.
- Ah, como é lindo o pôr-do-sol!
No instante em que pensa em coisas belas o tempo parece eterno. Lembra-se da frase que leu em algum lugar: um instante de prazer justifica toda a vida. Saboreia a frase, degusta-a com toda fome. Sente o gostinho da vida. Gozos comprados. Sentimentos traídos. Luzes. Sombras. Vida.
Volta à escuridão. Ouve chiado de baratas. Movimento de rato. Gemidos. Choro. Arrepia-se todo. Treme. Alarma. Tenta correr. Corpo imóvel, gelado, suor frio. Sem saída.
- Ai que dor!
Cai. Jaz no silêncio que grita. Grunhe.
No momento é menos que um porquinho. Exaurido no chão da existência. Ferido de um mal sem cura.
- Ó mundo cruel! Ó humanos selvagens!
Grita o silêncio e a solidão. Ninguém ouve.
Há quem passe nos enormes corredores da casa. Ouvidos cerrados. Há quem corra atrás de compromissos. Agendas lotadas. Ninguém ouve. Apenas silêncio e solidão. Nem pai, mãe, irmão, amigo, parente.
- Se aparecesse um bom Samaritano.
Que nada! Somente paredes e segredos de uma vida fugaz.
Um corpo se mexe. Desperta. Abre os olhos. Está caído ali no banheiro. Molhado de urina e sujo de merda. Podre! Levanta-se cambaleando. Parece dar os primeiros passinhos. Despe-se. Carnes flácidas. Olha-se. Espelho sujo de respingos de pasta. Não gosta do que vê. Liga o chuveiro. Lágrimas e água. Pranto sem consolo. Angústia. Misto de vida e morte. Emburaca ralo adentro. Desce cano abaixo. Junta-se a outras sujeiras. Excrementos. Vermes asquerosos. Porras gosmentas. Pentelhos. Podridão que os humanos escondem para sobreviver.

2 comentários:

  1. Oi, Ira!
    Adorei o blog e os poemas. Você realmente tem talento. Tomara que o pessoal o incentive nessa linha a serviço da comunicação do evangelho. PARABÉNS!!! Todas são muito boas, mas me chamou a atenção a poesia da SOLIDÃO!
    Abraços!

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  2. Ira, muito bom o que escreves... Chego a me arrepiar!
    Parabéns! Até parece um paulino...
    Júlia.

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